Se a paranoia sobre direitos autorais tivesse começado na antigüidade, não é improvável que pessoas tivessem que pagar por ter sangue circulando nas veias ou por consumir oxigênio do ar.
Se há algo de mais deplorável na ciência de hoje, este algo é de longe as patentes genéticas. Essas patentes sim que deveriam ser o foco das atenções de debates sobre bioética. Tomemos o caso do gene BRCA-1. Se uma mulher possui uma mutação neste gene, então ela tem 80-85% de chance de desenvolver câncer de mama, e mutações deste gene são responsáveis por cerca de %5 dos casos deste câncer — junto com o BRCA-2, 10%. Porém, é inviável fazer uma avaliação da presença de mutação deste gene quando uma criança nasce junto com o teste do pezinho, porque se você tem o gene, você tem que pagar o royalty para a Myriad Genetics Inc., Universidade de Utah e National Institute of Heatlh (NIH). Segundo James Watson em DNA: O Segredo da Vida, esta patente pode chegar até US$ 1 mil por identificação (isso era em 2002). Como resultado, um exame de diagnóstico de BRCA-1 é, naturalmente, uma fortuna, e só o royalty é várias vezes o custo do exame.
Vemos ai um enorme progresso na medicina e no combate ao câncer minado pela avareza e soberba infinitas humanas. Na minha opinião, as patentes deveriam ser todas negadas e anuladas. Tenho certeza que daqui alguns anos, o bom-senso e melhor conhecimento do significado de o que é um gene vai chegar na cabeça dos juristas, e essas sandices vão acabar.
Não apenas potenciais pacientes saem perdendo. Os laboratórios de pesquisa também: se você decide realizar uma pesquisa que envolve identificar o BCRA-1/2 em um paciente, tem que pagar por cada identificação. Nesse caso, se não me falha a memória, o preço é mais camarada, algo como US$ 100. Não obstante, a dificuldade de conseguir dinheiro para pesquisa científica é notória e esse tipo de patente apenas dificulta ainda mais o desenvolvimento da ciência.
Na semana passada, mais um sujeito entrou para o hall da fama dos seres humanos mesquinhos e deploráveis que pedem patente por partes humanas: James Thomson. Ele quer patentear células-tronco embrionárias. É isso mesmo. Ele quer que toda vez que alguém retire uma célula-tronco de um embrião usando a técnica por ele inventada, que essa pessoa tenha que pagar o devido royalty. Já não bastou o entrave no congresso americano, as tensões do julgamento do STF no Brasil e situações similares na Europa, Koréia e mundo afora, e agora novamente as pesquisas com célula-tronco embrionárias são ameaçadas por um cientista. Se ele conseguir a patente, pode não ser o desastre completo para os Estados Unidos e a Europa. Afinal, o que é ter que pagar mais uns US$300 por cada célula-tronco a mais, não é? Só vai encarecer em mais alguns milhões. Para o orçamento de bilhões de dólares do NIH, o Dr. James deve estar pensando "É só mais um preço que a sociedade tem que pagar por eu ser assim tão inteligente". Mas se a patente chegar até ao Brasil e aos demais países emergentes, cada centavo pago de royalty vai fazer a diferença. Se o Dr. James quiser, ele pode inviabilizar a pesquisa com células-tronco embrionárias no mundo inteiro, com exceção das grandes potências. Para quem já tomou o primeiro passo de solicitar uma patente sobre um bem natural humano, presente em todos os embriões já criados e que serão criados, eu não ficaria surpreso se de fato ele estipulasse uma taxa alta demais. Qualquer taxa já é um absurdo! Estamos falando de células, pelo amor do neutrino!
Ainda bem que nossos ancestrais não patentearam a produção de fogo.
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