Notícia de anteontem:
Um grupo de acadêmicos da Academia Brasileira de Ciências, entre eles o Jacob Palis (ganhador do Prêmio TWAS), montou um projeto para o governo investir cerca de R$30 bilhões durante dez anos para o estabelecimento de um centro tecnológico de ponta na região amazônica.
Comentário sobre a notícia:
"A estrada para o inferno é cheia de boas intenções", como diz o ditado. Eu acho que há algumas falhas com o projeto, se alguém está pensando que ele realmente colocará o Brasil como "o primeiro país tropical do primeiro mundo". Infelizmente no Brasil impera a mentalidade de que é o governo que tem que fazer, e se o governo não faz, então a culpa só é dele. Logo, de quem é a responsabilidade por trazer um projeto sustentável de tecnologia para a Amzônia? Do governo. A Vale do Rio Doce, a Alunorte e as madeireiras que devem ter um rendimento anual superior (fazendo eu aqui minha estimativa do guardanapo) a R$20 bilhões, não precisam fazer nada.
Se o projeto sair do papel, o resultado na melhor das hipóteses será o seguinte: algo realmente parecido com o modelo São José dos Campos, ou seja, uma indústria do início do século 20 sendo vangloriada como revolucionária em pleno século 21, e que de quebra não consegue nem se equiparar a indústria pesada internacional dos países ricos, vinculada a uma imagem de um ensino superior competitivo internacionalmente, mas que na realidade tem indicadores de produção científica e tecnológica de regular a péssimo, e que não se compara de nenhuma forma nem mesmo a produção científica e tecnológica dos Tigres Asiáticos, e ainda perde um pouco para a chilena e argentina [1].
O pólo de economia tecnológica dos Estados Unidos foi fundado por quem? A IBM, Apple, Microsoft, Genentech, Monsanto, etc. não são estatais. Apenas a IBM já produziu cinco Prêmios Nobel em Física e Química, enquanto o Brasil todo: zero. A minha experiência na USP, uma universidade pública, é a de que o modelo burocrático da máquina pública brasileira, com regimes de trabalho com estabilidade infinita e supersalários desproporcionais ao desempenho do funcionário ou da instituição, é um fracasso. Professores que não precisam correr atrás do seu salário com relatórios de pesquisa (o salário é garantido!), alunos que não precisam ter desempenho acadêmico bom para permanecer na escola, e uma inversão de valores onde 90% ou mais do orçamento da instituição que era para ser uma universidade de pesquisa é gasto com salários de funcionários e professores ao invés de pesquisa, extensão e estrutura educacional. E tudo isso a custo de 11% do ICMS do Estado, para ser usado exclusivamente por uma pequeníssima parcela da população. Para completar, a maioria dos alunos teria condições de pagar uma instituição particular de ensino: uma única rua do Jardins (bairro rico da capital de São Paulo) tem mais alunos na USP que toda a região sul da cidade (parte mais pobre).
Com tanto dinheiro nas mãos da Vale e da Alunorte, e sabe-se lá que outras empresas farmacêuticas que usam propriedade amazônica, mais as madeireiras, será que ninguém ali jamais pensou em criar um modelo efetivo de desenvolvimento tecnológico e científico livre das mazelas da corrupção do Estado?
Parece que no Brasil essa vai ser uma idéia revolucionária: o dia em que cair a ficha de porquê 80% da economia dos Estados Unidos é direta ou indiretamente produto de física básica [2], e as indústrias brasileiras vão deixar de serem produtoras de alumínio para serem, quem sabe, produtoras das novas tecnologias que colocarão os computadores digitais no passado.
Por enquanto, nós ainda compramos a TV digital dos outros e vendemos laranja, e achamos um bom negócio — falando nisso, porque a Globo, que tem milhões para jogar fora no Big Brother, não criou um laboratório de desenvolvimento de TV digital nos anos 80? E se o governo não montar a fábrica pré-pronta de tecnologia de 50 anos atrás — importada da alemanha, claro — para ter emprego para os engenheiros formados, então todos estes engenheiros vão preferir virar bancários (e muita vezes de banco estatal!). Engenheiro criar indústria nova? Criar oportunidades com suas próprias mãos? Que isso, emprego é papel do Estado! Esse é o nosso Brasil.
Eu não acho que tudo seria resolvido se as empresas tomassem essa iniciativa. Creio que é necessário uma combinação de estado e iniciativa privada, cada um exercendo a parte que lhe cabe. A máquina pública brasileira é burocrática e faz o dinheiro passar pelas mãos de muita gente antes de chegar ao destino, potencializando a corrupção. A máquina púbica tem renda garantida e não sofre a mesma pressão de "seleção natural" que o mercado exerce, contribuindo para uma menor preocupação com a excelência.
Vamos ver se vai sair do papel, e no que vai dar.
Notas
- A realidade do modelo São José dos Campos é a seguinte: produção de patentes inferior a USP, Unicamp, UFMG, UFRJ e UNESP, e várias empresas, não figurando nem entre os 20 maiores produtores de inovação tecnológica do país, ou nem 0,3% das patentes nacionais; notas de pós-graduação da CAPES razoáveis, mas abaixo das engenharias da USP, Unicamp, UFRJ, UFPE e outras; completa invisibilidade na avaliação internacional do Times Higher Educational Supplement ou do Academic World Ranking, enquanto instituições de tecnologia de Cingapura, China/Hong Kong, Twain, Chile, e Argentina aparecem no ranking. Nestes rankings, um pouquinho melhor classificadas (mas longe de algo de realmente orgulhoso) são a USP e a Unicamp.
- Isso foi um estimativa feita pela American Physical Society.
1 comentários:
Comentário não muito pertinente.
O Prof. Dr. Jacob Palis recebeu o Prêmio Internacional Prof. Luigi Tartufari de Matemática:
http://www.impa.br/opencms/pt/destaques/memoria/jacob_tartufari.html
O primeiro membro da Accademia Nazionale dei Lincei (a mais antiga do mundo) foi Galileu Galilei!
Penso que se alguém desse "calibre está envolvido num projeto sério, então é porque as coisas vão andar para frente, mas os fatos... Não sabia sobre esses dados a respeito do "modelo de São José dos Campos". Sei que as pessoas que estudam lá são de alto nível. Vou dar uma olhada nas notas, conferir as planilhas. Os dados apresentados me surpreenderam.
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