OK, as duas últimas semanas foram muito corridas, fiquei a semana anterior viajando... Mas semana que vem vai acalmar. Aos que lêem o blog respondi (atrasadíssimo!) os comentários no blog, os quais agradeço muito!
Agora, notícia de ontem:
O LHC deve injetar o primeiro feixe de prótons no dia 10 de setembro. Isso, imagino eu, significa que a máquina deve começar a funcionar lá por outubro. O que será feito em setembro são apenas testes preliminares, sendo que deve decorrer um mês até a primeira colisão ser programada, e talvez em novembro, os experimentos (CMS, ATLAS, etc.) comecem a coletar dados (quer dizer, o experimento começará efetivamente).
Abaixo segue um post breve sobre o LHC.
O que é o LHC?
O LHC (Large Hadron Collider, do inglês, Grande Colisor de Hádrons) essencialmente é um túnel de metal em formato de um círculo de 27 km de circunferência, 100 metros abaixo do solo, recoberto de imãs feitos de supercondutores de nióbio-titânio mantidos a -271.3 °C. Dentro do túnel, dois feixes de prótons circularão a 99.9999991% da velocidade da luz (quando o LHC estiver operando com dois feixes de 7 TeV). Na verdade, os prótons são injetados no círculo por um pré-acelerador a velocidades bem mais baixas, e a força magnética dos imãs supercondutores acelera os prótons até eles chegarem nessa velocidade. Os feixes então são feitos colidir de frente:
O que realmente colide no LHC são os quarks e glúons, pois nessas velocidades, os prótons se comportam como quarks e glúons livres (i.e., quarks e glúons que praticamente não interagem uns com os outros. Isso já era sabido desde o final da década de 60, em virtude de um experimento do SLAC e do MIT). Na colisão, os quarks e glúons se espalham para fora da direção do feixe, e rapidamente formam várias novas partículas: mésons pi em sua maioria, mas também muitos kaons e neutrinos. O produto da reação é então visualizado nos detetores.
Há vários detetores em diferentes pontos do LHC, com finalidades e/ou funcionamento diferentes: CMS, ATLAS, ALICE, LHCb e outros. Os dois primeiros tentarão encontrar o bóson de Higgs, que será produzido no LHC primordialmente através da colisão de dois glúons que formam quarks tops que então decaem para o bóson de Higgs. CMS e ATLAS também vão procurar por qualquer sinal que não seja previsto pelo Modelo Padrão.
O LHCb fará uma medida mais precisa da assimetria matéria-antimatéria presente no Modelo Padrão; o "b" é devido ao fato que eles estudarão as reações de quarks tipo bottom.
Em um segundo estágio, o LHC substituirá os feixes de prótons por feixes de núcleos atômicos. Isso irá permitir estudar a estrutura nuclear a altas energias. Essa estrutura deve adquirir propriedades de um fluido viscoso chamado de plasma de quarks e glúons que ainda foi muito parcamente estudado. ALICE vai providenciar medidas mais precisas desse estado dos núcleos, e consequentemente vai testar com maior precisão a QCD.
O LHC vai destruir o planeta Terra?
Muito provavelmente não. A histeria coletiva que surgiu na mídia é devido ao seguinte. Em 1998, foi proposta a hipótese de que talvez existam dimensões espaciais extras no universo (além das 3 que vivenciamos quotidianamente) que poderiam ser vistas no LHC. Se isso for verdade e se além disso a constante de gravitação de Newton total (incluíndo as dimensões extras) for bem maior do que o valor que ela tem na seção 3-espacial em que vivemos, então o LHC produzirá buracos negros. Esses buracos negros terão uma massa típica da ~ TeV, ou seja, nada muito mais pesado que um único núcleo de urânio. Para além da região do horizonte de eventos (a área do buraco negro), o campo gravitacional do buraco negro é como de qualquer distribuição clássica de matéria. De fato, o campo gravitacional do Sol externo a ele é o mesmo que aquele gerado por um buraco negro de massa igual a do Sol. Nem por isso, como qualquer um pode ver, a Terra é engolida pelo Sol. O campo gravitacional gerado por um buraco negro produzido no LHC seria muitíssimo pequeno em comparação com as energias cinéticas típicas das partículas nas reações, de modo que ele passaria desapercebido. Além disso, buracos negros evaporam: eles emitem luz através de um processo descoberto por Stephen Hawking (o mago dos buracos negros), e um com uma massa tão pequena, de apenas aproximadamente 10 vezes a massa do núcleo de urânio, evaporaria quase instantaneamente. Essa evaporação que seria o sinal do buraco negro nos detetores do LHC.
Qual o objetivo do LHC?
Rutherford em 1909 realizou o experimento que descobriu que os átomos eram compostos do núcleo e da eletrosfera. Ele demonstrou que o núcleo tinha 10-13 cm de tamanho típico. De lá para cá, a física foi se envolvendo na descoberta da estrutura última que compõe tudo que existe no universo. O LHC será o primeiro microscópio que visualizará como a Natureza é na escala de tamanho de 10-16 cm, mil vezes menor que o raio do próton. O objetivo do LHC é obter os fatos experimentais sobre a estrutura da matéria nessa escala de tamanho.
O LHC terá algum impacto tecnológico?
Sim. O LHC já possui um impacto tecnológico tremendo. Não do conhecimento que será produzido diretamente sobre a estrutura da matéria, mas dos desafios tecnológicos que precisam ser superados para o experimento funcionar. E são muitos! Para começar, o LHC já realizou dois avanços: 1) ele possui o maior sistema criogênico já montado e 2) ele possui o maior sistema informatizado de computação distribuída já planejado. O LHC coletará cerca de 15 milhões de gigabytes por ano, que ainda precisa ser processado. A análise dos dados será distribuída sobre diferentes clusters de computadores. Os maiores, pelo que eu saiba, são o do próprio CERN e outro localizado no Fermilab. Cada cluster são várias placas mãe de computadores, cada uma com quatro ou seis (não sei o detalhe da arquitetura que eles estão usando) processadores de última linha ligados em paralelo, e cada placa é ligada uma a outra diretamente. Só no CERN há até agora 30 mil CPUs instaladas, e 16 milhões de gigabytes de discos rígidos. O supercomputador do CERN é ligado a outros supercomputadores por fibras ópticas que transferem dados a 10 gigabits por segundo. O recorde mundial de velocidade de transferência de dados é a linha CERN-Fermilab: 600 megabytes por segundo. Isso é equivalente a transferência de dados de um CD inteiro em apenas 1 segundo da Europa até os EUA. Atualmente, o meu provedor da Internet em casa oferece 3 Megabits por segundo, o que me levaria 125 anos (mais de um século!) para baixar a mesma quantidade de dados que leva 10 dias na conexão do CERN. Nenhuma conexão de rede do planeta, entre quaisquer empresas de telecomunicação ou dentro de uma rede privada, é tão rápida.
O sistema completo é conhecido por grid de computação, e já era idealizado por técnicos de tecnologia de informação há vários anos, mas a colaboração experimental do LHC montou o primeiro do seu tipo de alta eficiência, por necessidade do experimento. Do mesmo modo que o CERN, décadas atrás, foi o berço da Web, ele agora é o berço do que talvez no futuro seja o novo paradigma de sistema de informação. Espera-se que outros cientistas também usarão o grid, para, por exemplo, realizar simulações numéricas do comportamento de moléculas biológicas, que no grid pode tomar apenas alguns anos, mas que antigamente tomaria séculos para ser realizado.
Além disso, há vários problemas ligados a resistência dos mateirais usados nos detetores, a eletrônica dos detectores, a transferência de dados dos experimentos até o supercomputador central do CERN, etc., e tudo isso em um ambiente único na história em tamanho e desafios tecnológicos de informação e eletrônica.
3 comentários:
Agradeço pela informação,Leonardo.
Isto responde a muitas questões minhas!!!
Muito interessante, parabéns pelo post.....
Abraços!!!
Muito bom, primeira vez que vejo o blog, e tirou muitas das minhas dúvidas sobre o LHC, além de curiosidades. Parabéns pelo post.
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