Continuando as postagens sobre termodinâmica do espaço-tempo, essa é sobre uma descoberta curiosíssima devida a Bill (William) Unruh em 1976, um ano depois da descoberta da radiação Hawking [1].
Existência de partículas depende do observador
Nós temos uma noção intuitiva do que é uma partícula, porém somente em 1939 que Eugene Wigner deu uma definição matemática concreta para o que é uma partícula [2]. A definição matemática eu vou deixar de lado aqui, e notar apenas duas coisas importantes:
- O conceito depende explicitamente de uma escolha de coordenada de tempo [3]. Para a simetria de Galileu, como aquela presente nas leis de Newton, isso não é um problema, pois todos os observadores do universo concordam que o intervalo de tempo entre dois eventos físicos é o mesmo. No entanto, isso só é verdade como uma aproximação. Por exemplo, suponha que há vários múons sentados (em repouso) em cima da mesa onde está o seu computador. Com relação ao relógio do computador, os múons decaem radioativamente em média de 10-6 segundos. No entanto, quando estamos observando múons vindo a alta velocidade da alta atmosfera em direção ao chão — agora estamos vendo os múons do referencial em que estão em movimento — eles vivem mais que 10-3 segundos (isso é um fato experimental). Assim, dois observadores diferentes não concordam entre quanto tempo leva para um múon decair.
- Uma vez feita a identificação matemática do que significa uma partícula, pode-se introduzir um observável que conta quantas partículas existem no sistema. Com isso pode-se calcular, por exemplo, quantos elétrons N(θ) em média devem ser encontrados em um certo ângulo θ no experimento do espalhamento Compton dentro de uma certa área A naquele ângulo vista a uma certa distância r de onde ocorre o espalhamento. A concordância entre o cálculo e o efeito associado a "encontrar um elétron naquele ângulo" é perfeita [4].
Por causa que dois observadores diferentes não necessariamente concordam com o intervalo de tempo entre dois eventos físicos, eles também não conseguem concordar sobre a existência de partículas. Em 76, Bill Unruh mostrou, por exemplo, que se o observador S mede o universo no estado de vácuo, ou seja, ele tem que o número de partículas no universo é zero, então qualquer observador K que se move com relação a S com uma aceleração a mede N no universo como sendo diferente de zero, para K o universo está completamente preenchido de partículas em equilíbrio térmico e na temperatura
Horizonte de Rindler
No diagrama, a curva grossa é a trajetória t(x) de um corpo com aceleração constante a. Nesse diagrama, a velocidade da luz tem valor 1. Sendo assim, as linhas retas t = x + b, t = -x + b são as linhas por onde a luz se propaga. Qualquer sinal físico entre um ponto a outro só pode ser transmitido com inclinação igual ou maior que 1. Portanto, qualquer sinal emitido na região II jamais chega ao observador acelerado, mas o observador pode enviar sinais para essa região. Sinais na região IV podem atingir o observador, mas ele não pode emitir sinais para essa região. A região III está completamente incomunicável com o observador, para qualquer tempo futuro. Sendo assim, um observador acelerado, por causa da finitude da velocidade da luz, não tem como obter informação sobre todo o espaço-tempo. Qualquer raio de luz que ele vê passar para a região II jamais retorna. Nesse sentido, as linhas tracejadas que delimitam a interface entre as regiões I, IV e II definem um horizonte de eventos para o observador acelerado, similar (mas não idêntico) ao horizonte de eventos de um buraco negro. Então parece que a termodinâmica de buracos negros é só a ponta do iceberg da relação entre Termodinâmica e espaço-tempo.
Notas e referências
- W. G. Unruh, Phys Rev D 14, 4, 870 (1976).
- E. P. Wigner, Ann. Math. 40 149 (1939).
- Para benefícios dos físicos que porventuram estiverem a ler isso: uma partícula é definida como um auto-estado de H e P, e H é definido como o gerador de translações temporais U(t). Escolhas diferentes da coordenada t representam escolhas diferentes do operador H.
- E.g. R. P. Singhal, A. J. Burns, Am. J. Phys. 46, 6, 646 (1978).
- George Matsas e Daniel Vanzella, que são experts nessa área, afirmam que não faz sentido buscar testes experimentais da radiação Unruh (Int.J.Mod.Phys.D11:1573-1578,2002; ou arxiv:0710.5373). O argumento deles: embora a escolha de partículas depende do referencial, a descrição é completamente covariante, portanto sempre é possível escolher um referencial em que o efeito Unruh desaparece. Isso é verdade, mas discordo que isso signifique não ser necessário medir o efeito: é importante demonstrar experimentalmente que a nossa definição de partículas, que leva a definição do número de ocupação N, realmente concorda com a realidade da Natureza, independente da escolha de referencial. O efeito de fato é automático, é uma previsão da teoria, mas precisa ser testado como qualquer outro efeito.