Uma das alegações mais comuns de alguns livros de divulgação que tratam sobre supercordas é a de que a física de partículas esteve mais ou menos congelada do ponto de vista de novas idéias teóricas nos últimos 30 anos. Woit, Greene, Kaku são exemplos de textos com essa alegação: após a descoberta da unificação eletrofraca e dos métodos de cálculo nas chamadas teorias de calibre que aconteceram nos anos 60 e 70, pelos últimos 30 anos a física de partículas apenas viu confirmação do cenário teórico geral estabelecido, sem necessidade de novas idéias.
Isso é verdade em parte, mas não é toda a história. Como eu quero mostrar neste e nos próximos posts, a física de partículas nos últimos 30 anos foi um terreno muito fértil para problemas desafiadores e grandes dificuldades teóricas, que acabaram por desenvolver uma série de novas e importantes técnicas que mudaram drasticamente a visão da física fundamental que se tinha nos anos 70. Algumas dessas idéias ainda serão testadas no LHC, e dada a situação extremamente obscura da nossa compreensão de alguns problemas da física de partículas, é bem provável que algo completamente inesperado possa surgir nos próximos anos, criando ainda mais excitação para novas idéias.
Isso é verdade em parte, mas não é toda a história. Como eu quero mostrar neste e nos próximos posts, a física de partículas nos últimos 30 anos foi um terreno muito fértil para problemas desafiadores e grandes dificuldades teóricas, que acabaram por desenvolver uma série de novas e importantes técnicas que mudaram drasticamente a visão da física fundamental que se tinha nos anos 70. Algumas dessas idéias ainda serão testadas no LHC, e dada a situação extremamente obscura da nossa compreensão de alguns problemas da física de partículas, é bem provável que algo completamente inesperado possa surgir nos próximos anos, criando ainda mais excitação para novas idéias.
A descoberta das teorias efetivas
Na década de 40, Freeman Dyson descobriu que teorias de física de partículas com certas características tinham uma receita simples que permitia calcular qualquer fenômeno físico e obter uma resposta finita. As teorias que satisfazem os critérios de Dyson são chamadas de teorias renormalizáveis. Outras teorias pareciam simplesmente prever que qualquer processo físico teria probabilidade infinita de ocorrer, o que não faz sentido uma vez que nada pode ter mais que 100% de probabilidade.
O problema técnico resolvido por Dyson foi o principal motivador do desenvolvimento da teoria eletrofraca e da cromodinâmica quântica: ambas são teorias renormalizáveis. No entanto, no final dos anos 70, o gênio Steven Weinberg mostrou como fazer cálculos com qualquer teoria em física de partículas. Ficou claro que as teorias renormalizáveis são apenas um caso particular de teorias mais gerais, e que correspondem apenas a uma primeira aproximação. As teorias mais gerais são hoje genericamente chamadas de teorias efetivas (antigamente chamadas de não-renormalizáveis).
Esta descoberta impulsionou uma série de desenvolvimentos muito importantes, em especial para a física da força nuclear forte, pois é impossível usar a QCD diretamente para estudar hádrons em baixas energias. Porém, é possível escrever teorias efetivas que descrevem hádrons mas que são intimamente relacionadas com a QCD. A relação das teorais efetivas de hádrons com a QCD é a mesma entre as teorias que descrevem a magnetização dos materiais com a física atômica: ao invés de começar do problema do movimento de N átomos, ignora-se todos os graus de liberdade dos átomos, exceto o momento magnético, e constrói-se então um modelo para a interação de N momentos magnéticos. Desse modo, foi possível durante os anos 90 fazer cálculos analíticos de propriedades dos hádrons partindo da QCD. Em especial, Mark Wise, Mikhail Voloshin e Nathan Isgur descobriram no final de 1989 uma nova simetria das interações fortes, e desenvolveram uma teoria efetiva com base nesta simetria que permitiu calcular analiticamente o comportamento dos mésons que contém quarks charmed e bottom[1]. Esta teoria é conhecida como a teoria efetiva de quarks pesados (HQEFT), e antes dela pensava-se que somente cálculos numéricos complicados da QCD poderiam providenciar previsões para as propriedades dos mésons com quarks charmed e bottom. Os três receberam em 2001 o Prêmio J. J. Sakurai de Física Teórica da American Physical Society pelo desenvolvimento da teoria e suas conseqüências.
O problema da hierarquia
Um dos componentes fundamentais do modelo de unificação eletrofraca da física de partículas é a existência do chamado bóson de Higgs. No entanto, em 1979, Kenneth Wilson mostrou que a existência do bóson de Higgs constitui automaticamente um problema[2], hoje conhecido como o problema da hierarquia.
Wilson percebeu que a contribuição das partículas virtuais para a massa do bóson de Higgs é da ordem de 1019 GeV [3]. No entanto, a massa do bóson de Higgs é experimentalmente vinculada para ser da ordem de 100 GeV. A única solução é ajustar um parâmetro da teoria em mais ou menos 17 algarismos significativos para ser idêntico a contribuição das partículas virtuais:
Qual a razão do parâmetro da teoria provocar um cancelamento tão perfeito da contribuição das partículas virtuais? O Modelo Padrão não tem uma resposta para essa pergunta!
Isto levou logo em 1979 Leonard Susskind [2] a propor uma alternativa a existência do bóson de Higgs, a teoria conhecida por Technicolor, que prevê a existência de uma nova força forte na Natureza. Mais tarde foi percebido que a supersimetria também resolve o problema da hierarquia, pois a contribuição de cada partícula virtual do Modelo Padrão para massa do Higgs é cancelada por uma partícula de spin diferente.
No entanto, tanto a supersimetria como Technicolor eventualmente requerem um certo ajuste arbitrário de parâmetros e simetrias discretas para poder evadir o problema da hierarquia, o que na prática não o resolve completamente, apenas o transfere para um outro lugar: a tentativa de justificar as escolhas de parâmetros nestas teorias.
Durante vários anos não surgiu nenhuma alternativa viável para supersimetria ou Technicolor, até que em 1998 Nima Arkani-Hamed, Savas Dimopoulos e Gia Dvali mostraram que se existem mais dimensões espaciais no universo então há um cenário possível que resolve o problema [4].
Se há dimensões extras no universo, então a potência irradiada por grávitons que podemos observar nas 3D é menor que a potência total irradiada, devido ao fato que parte dos grávitons se propagam nas dimensões extras. Sendo assim, é possível ajustar a constante da gravitação de Newton para trazer a escala da gravitação quântica para aproximadamente 1 TeV. Isso resolve o problema pois nesse caso a contribuição dos pares de partículas virtuais seria da ordem ~ 1 TeV, que é apenas uma ordem de grandeza diferente da massa do Higgs, ao invés de 17 ordens de grandeza.
O trabalho de Nima e Cia. abriu uma nova arena para a construção de alternativas ao Modelo Padrão. Atualmente, o mais estudado é o modelo de Randall-Sundrum[5].
Nos modelos com dimensões extras há novas partículas, pois para cada partícula há um campo associado (por exemplo, para o fóton há o campo eletromagnético) que agora pode "vibrar" em mais dimensões. As vibrações nas dimensões extras são percebidas como partículas elementares, chamadas de parceiros Kaluza-Klein. Então, por exemplo, para o campo eletromagnético há o fóton e toda uma torre de excitações Kaluza-Klein de massa ~ 1 TeV. Todas essas partículas poderiam ser, em princípio, observadas no LHC (indireta ou diretamente).
É extremamente excitante imaginar que daqui a poucos anos poderemos obter de um experimento como o LHC informação sobre algo tão fundamental como o número de dimensões que existe no universo, em especial se o resultado for que há mais do que apenas 4 [6].
Em 2001, inspirados pela descoberta dos modelos de dimensões extras, Nima, Andrew Cohen e Howard Georgi encontraram outra alternativa [7]. Eles mostraram que é possível construir um modelo onde o bóson de Higgs tem uma simetria extra que "protege" a massa de contribuições de partículas virtuais. O segredo é o que se chama simetria de custódia, que impõe que se a massa do Higgs fosse zero então nenhuma partícula virtual poderia contribuir para a massa do Higgs. O resultado é que todas as contribuições de partículas virtuais passam a ser elas próprias proporcionais ao valor da massa do Higgs. Assim, se a massa do Higgs for da ordem de 100 GeV, todas as contribuições de partículas virtuais são também da ordem de 100 GeV, e não ocorre nenhuma catástrofe. Vários modelos foram construídos baseados nesta idéia, e eles vão sobre o nome genérico de Little Higgs.
Será que o LHC vai revelar que há supersimetria? Technicolor? Dimensões extras? Little Higgses? Ou será que o LHC vai apenas encontrar o bóson de Higgs do Modelo Padrão e nada mais? Lembremos que o que está em jogo aqui é a compreensão de o que na Natureza permite que exista a unificação eletrofraca, i.e. como é possível que exista uma única simetria para a força fraca e o eletromagnetismo quando o fóton não possui massa mas os bósons W e Z são pesados.
E ainda há muito mais coisas curiosas para falar... Vão ficar para um próximo post!
Nota: terei o maior prazer em responder perguntas sobre o texto, que podem ser deixadas como comentários.
Referências
- M. Wise, N. Isgur, Phys.Lett.B 232:113 (1989) [SPIRES]; M.B. Voloshin, M.A. Shifman, Yad. Fiz. 45 (1987), p. 463 [SPIRES].
- L. Susskind, Phys. Rev. D 20, 2619 - 2625 (1979) [SPIRES]. A proposta de Technicolor já havia sido esboçada, por razões diferentes, em 1976 por Steven Weinberg [SPIRES].
- Para o argumento do problema da hierarquia tanto importa se a unificação eletrofraca é válida até a escala da gravitação quântica ou até uma escala de grande unificação com a força forte (que é ~ 1015 GeV).
- N. Arkani-Hamed, S. Dimopoulos, G. Dvali, Phys.Lett.B 429, 263-272 (1998) [SPIRES].
- L. Randall, R. Sundrum, Phys.Rev.Lett. 83, 3370-3373 (1999) [SPIRES].
- Para mais sobre esse assunto, você pode ler este artigo de divulgação.
- Phys.Lett.B 513, 232-240 (2001) [SPIRES]. Para um artigo de divulgação sobre Little Higgs, veja aqui.
2 comentários:
Leo, sobre a questão da existência de dimensões extras e o gráviton: é como se a gravidade fosse "diluída" ao longo das dimensões, daí chega até nós sendo considerada uma interação bem fraca?
Oi Diego,
é exatamente isto. Num universo com 5 dimensões espaciais por exemplo, a gravidade poderia ser tão forte quanto a força eletrofraca; porém, como nós só veríamos o efeito restrito a 3 dimensões, a gravidade pareceria fraca porque a energia total da interação gravitacional fica "diluída" em todas as 5 dimensões.
abraços
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