30 Anos de Física de Partículas 2

Continuando o assunto do último post...

A assimetria matéria/antimatéria

Todos os processos da eletrodinâmica e a força nuclear forte observados em laboratório acontecem com a mesma probabilidade para duas reações que diferem por uma troca de todas as partículas por antipartículas. Então, por exemplo, a probabilidade de um fóton ser defletido por um elétron (efeito Compton) é a mesma que um fóton ser defletido por um pósitron.
Não obstante, é observado astronomicamente que o universo é dominado por elétrons, e não é uma mistura 50%-50% de elétrons-pósitrons. Isso só é possível se em algum estágio do Big Bang houver mais elétrons que pósitrons.
Se imaginarmos que estes elétrons e pósitrons vieram de algum processo físico, como é possível que no Big Bang uma das partículas (o elétron) tenha sido produzida em maior quantidade? A única forma é se as leis da física favorecerem a produção de matéria no lugar da antimatéria.
Até 1964, as leis da física pareciam perfeitamente simétricas em matéria/antimatéria. Naquele ano, porém, foi confirmado experimentalmente por James Cronin e Val Fitch que a força nuclear fraca possui uma assimetria matéria-antimatéria na interação entre os quarks. A assimetria é incorporada na física de partículas através do fato de que cada quark de massa definida, digamos o up quark, não interage sozinho numa reação nuclear fraca, mas sempre numa mistura com os outros quarks de mesma carga elétrica.
Não obstante, estudos na cosmologia apontaram que a assimetria matéria-antimatéria dos quarks não é grande o suficiente para explicar completamente a assimetria da matéria-antimatéria no universo. Há algo faltando [1].

Por volta de 1970, Raymond Davis Jr. e John Bahcall começaram a encontrar evidências de que os neutrinos possuiam massa, seguindo idéias anteriormente propostas em 1968 por Bruno Pontecorvo. No início dos anos 90, a colaboração do experimento Kamiokande/SuperKamiokande fez medidas independentes do experimento de Davis que confirmavam a existência de massa para os neutrinos [2]. Os dois experimentos receberam o Prêmio Nobel em 2002.

A descoberta da massa dos neutrinos abriu uma nova porta no problema da assimetria da matéria/antimatéria: se os neutrions de massa bem definida entrarem numa mistura ao interagir com o W e o Z, então dependendo da natureza dessa mistura, pode haver uma violação da simetria matéria-antimatéria (igual como acontece com os quarks). Ainda não há resultados experimentais que testam essa hipótese, mas já há modelos teóricos indicativos que uma assimetria para os neutrinos poderia ser o que faltava para explicar a diferença entre matéria-antimatéria observada no universo! Ainda mais interessante, modelos de unificação da força nuclear forte com a eletrofraca (as teorias de GUT) predizem uma massa para o neutrino e violação da simetria matéria-antimatéria de forma mais ou menos automática.
No presente momento, há vários experimentos designados a investigar a natureza do neutrino e suas interações com a matéria, entre eles: BooNE e MINOS no Fermilab, KamLAND no Japão e o IceCube na Antártida. Estes experimentos poderão determinar a natureza da massa dos neutrinos e se estes participam ou não da assimetria matéria-antimatéria.
O neutrino, que foi proposto em 1929 para preservar a conservação da energia, pode acabar por desempenhar um papel fundamental no Universo e ainda permitir avaliar se há realmente uma unificação das forças fundamentais.

O Problema CP Forte e a Matéria Escura

A assimetria da matéria-antimatéria na física teórica de partículas é denominada de violação CP. Se partimos do pressuposto que as simetrias são suficientes para estabelecer a forma das leis da física, então a simetria da força forte deveria implicar na existência de violação CP em processos nucleares fortes. Em outras palavras, a simetria da QCD não impede a existência de violação CP. Entretanto, tal violação nas interações fortes não é observada experimentalmente. É possível traduzir isso em termos de um parâmetro, genericamente chamado de , que deve ser menor que uma parte em um bilhão. Dessa forma, fica a pergunta: por que a violação CP forte é tão pequena? O Modelo Padrão não tem uma explicação! Talvez algo mais fundamental esteja em jogo.
Um mecanismo para explicar o valor tão pequeno do parâmetro surgiu em 1977 num estudo sobre instantons realizado por R. Peccei e Helen Quinn [3]. O mecanismo de Peccei-Quinn leva a existência de uma nova partícula escalar eletricamente neutra, chamada de axion. Buscas do axion até agora deram sinal negativo, o que em si é consistente com o modelo teórico que prevê um acoplamento muito fraco. Mas nem tudo está perdido para detectar os áxions: um axion livre no universo decairia para dois fótons apenas depois de um longo tempo, e isso o faz um candidato natural para a matéria escura. Há experimentos — em andamento e sendo projetados — que buscam determinar se o axion faz parte da massa das galáxias. Ainda não existe nenhuma evidência conclusiva de que o mecanismo de Peccei-Quinn esteja em ação na Natureza.
Há modelos de física de partículas com supersimetria que poderiam ser descobertos no LHC que resolvem o problema sem a exigência de um axion [4]. Outra alternativa é pressupor que a massa do quark na ausência de interações é zero, mas que as interações dos quarks com forças ainda não descobertas gerariam uma massa efetiva muito pequena [5]. Nesse caso, a origem do valor de dependeria da física de uma teoria de unficação, supercordas, ou algo do tipo.

Mistérios das massas dos quarks

O Modelo Padrão não prevê nenhum valor específico para massa dos férmions, mas há pelo menos duas características do espectro das partículas que são ainda mais curiosas. A primeira é a seguinte: os quarks de carga positiva interagem todos do mesmo modo com as forças fundamentais. Em outras palavras, as "cargas" dessas partículas são todas idênticas. O mesmo vale para os quarks de carga negativa. É natural que os quarks de carga positiva tenham uma massa diferente dos de carga negativa, uma vez que o valor absoluto da carga não é a mesmo: a carga elétrica do up, charm e top (u,c,t) é +2/3, do down, strange e bottom (d,s,b) é -1/3; então a contribuição da nuvem de fótons virtuais para a massa dos quarks de cargas opostas é diferente, mas entre quarks de mesma carga a contribuição é idêntica. Uma vez que os quarks interagem todos com a mesma intensidade com os glúons, a diferença na massa dos quarks provenientes da contribuição de partículas virtuais poderia vir da diferença das cargas elétricas.
Os quarks de carga negativa s,b são mais leves que os quarks correspondentes de carga positiva c,t. Porém, para os quarks u,d a relação é a inversa! O quark d é mais pesado que o u. Como isso é possível, se a diferença de massa entre os pares (u,d), (c,s) e (t,b) deveria ser devido a carga elétrica? Isso seria uma curiosidade tola se não fosse o fato de que essa inversão da diferença de massa do par (u,d) é responsável pela estabilidade do próton! Se a diferença das massas dos quarks u,d obedecesse o mesmo padrão dos demais quarks, seria o próton que decairia para o nêutron, e o universo seria um mundo muito chato sem nenhum átomo. Até o momento, não há nenhuma explicação para essa diferença de massa entre gerações.
Outro fato curioso da massa dos quarks é o valor da massa do top. Inicialmente, imaginava-se que o top deveria ter uma massa ~ 80 GeV. Foi uma surpresa quando as colaborações CDF e D0 do Fermilab apontaram em 1995 que o valor é 172±3 GeV [6]. O aspecto curioso desse número é o seguinte. Se tivéssemos um medidor do valor do campo do Higgs no vácuo (este valor existe tanto quanto o valor do campo elétrico num determinado ponto), obteríamos 247 GeV, que quando dividido pela raiz de dois é o valor da massa do top! Será que o top desempenha algum papel especial na unificação da força eletromagnética com a força nuclear fraca que explicaria esta coincidência? Há uma versão da Technicolor (lembra do último post?) onde o top sofre interações que fazem com que ele forme uma partícula tipo-techni-hadrônica, formada apenas de top e techni-gluons, e interage de tal forma a substituir o bóson de Higgs. Essa idéia é chamada de Topcolor, ou Technicolor auxiliada pelo top. A Topcolor pode ser diretamente observada (ou descartada) no LHC, e tem a vantagem de matar dois coelhos com uma cajadada só: a coincidência entre o valor da massa do top e o valor do campo de Higgs e o problema da hierarquia.

Notas

  1. Dois artigos populares que fala mais sobre isso: no CERN Courier e na Physics World.
  2. Os resultados iniciais de Davis datam de 1970, mas somente em 1998, com as medidas independentes do SuperKamiokande, que a comunidade se sentiu segura para admitir que o neutrino tem massa.
  3. R.D. Peccei, Helen R. Quinn, Phys. Rev. D 16:1791-1797 (1977); Phys. Rev. Lett. 38:1440-1443 (1977). [SPIRES]
  4. K.S. Babu, Rabindra N. Mohapatra, Phys. Rev. D 41:1286 (1990). [SPIRES]; Rabindra N. Mohapatra, Andrija Rasin, Phys. Rev. Lett. 76:3490 (1996). [SPIRES]
  5. Tecnicamente: o termo de massa na Lagrangeana que descreve quarks a altas energias (digamos > 200 GeV) é zero, mas a baixas energias estas interações ainda não descobertas geram uma massa efetiva muito pequena.
  6. CDF Collbaration, Phys. Rev. Lett. 74:2626 (1995) [SPIRES]; D0 Collaboration, Phys. Rev. Lett. 74:2632 (1995) [SPIRES].

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