Mestres viram doutores e são demitidos

Segundo uma matéria da revista Valor Econômico, aparentemente no Brasil dos últimos anos professores de universidades particulares foram demitidos depois de fazerem um curso de pós-graduação. O presidente do sindicato das particulares, H. F. Figueiredo, explica porque isso acontece:


O número de doutores depende do programa pedagógico de cada instituição, a universidade é como qualquer empresa, há uma avaliação de desempenho, não publicou durante o ano, será dispensado.

Isso não parece ser verdade. Por exemplo, o CNPq mostra que, excetuando-se a PUC, nem 1% de toda produção científica do Brasil financiada pelo órgão é realizada nas universidades particulares (a PUC-RJ com 2,4%). Segundo artigo da Folha de S. Paulo de uns anos atrás, a grande maioria dos professores de universidades particulares dão em média 40h semanais de aula, alguns até mais. Portanto, as universidades particulares de modo algum vêm contratando com base na produção científica, intelectual ou artística. Não faz nem sentido: se elas só contratam 1/3 de pessoas com pós-graduação, 2/3 do seu corpo docente nem se quer tem a qualificação intelectual para produzir material publicável. A Unip é uma das maiores universidades do Brasil, se 1/3 do seu corpo docente estivesse sendo mantido com base em excelência de publicações, a universidade já teria figurado no Times Higher Educational Supplement ou no Academic World Ranking, mas isso não aconteceu. Como profissional incipiente na área de pesquisa, eu posso assegurar que nunca vi um único artigo científico que foi publicado por um pesquisador da Unip. Se existe algum, precisa de muita experiência em pesquisa para acabar vendo (1 em um milhão?).
FIgueiredo também diz:

Uma universidade numa cidadezinha de Tiririca da Serra não tem condição de contratar um doutor por tempo integral para pesquisar e em nenhum lugar está escrito ou provado que um doutor é melhor professor do que um profissional com experiência.

Dois problemas com esse comentário. Primeiro, se você tem uma universidade que diz que oferece um curso de medicina, é melhor que você realmente possa ensinar medicina. Isso inclui ter laboratórios de química, biblioteca equipada, cadáveres indo para as aulas de cirurgia, material cirúrgico, vários outros equipamentos didáticos, e professores qualificados. Se você quer ter uma universidade em Tiririca da Serra, você deve transferir todo o equipamento necessário para isso, e não apenas abrir um prédio com título de universidade que depois formará profissionais sem a qualificação necessária.

Segundo, um doutor em particular pode não ser melhor professor, mas se você tem alguém interessado em ser um bom professor, agregar maior qualificação, experiência e conhecimento só irá melhorar a educação. Se olharmos para as universidades mais bem sucedidas no mundo, veremos que há uma forte correlação entre a qualificação do corpo docente e o sucesso do corpo discente.



O mais curioso de tudo isso é que não parece que esse estilo adotado pelas universidades particulares no Brasil ajuda em nada a fazer o faturamento da universidade ser melhor. Não quero soar pretensioso ou arrogante, mas tenho que usar os exemplos que conheço bem. Segundo os jornais de televisão (entendendo ai que pode estar errado), o vestibular da USP é um (ou o mais) concorrido de universidades do país, a média de todos os cursos é 12 c/v. A USP é a mais procurada em São Paulo por que tem uma boa imagem de instituição universitária, totalmente devida a qualificação e a produção intelectual, científica e artística dos professores residentes, mais o resultado de vários dos seus ex-alunos que figuram em quadros de liderança nacional do governo, empresas, produção tecnológica e artística. Muitos que tem alta renda e passam na USP e em uma particular, escolhem a primeira. Isso se comprova pelos dados da própria USP, que mostra que a maioria dos matriculados são de alta renda: uma única rua da região nobre de São Paulo tem mais alunos na USP que todo distrito sul da cidade. Provavelmente a mesma lógica se aplica nos demais estados da federação: se há uma universidade de impacto científico, artistico e cultural, essa atrai mais estudantes (em geral, são as públicas, federais e estaduais, e atraem também alunos de alta renda). As particulares, com sua política de educação como loja de 1,99 — para usar uma comparação feita por um colega — só tem uma imagem denegrida: a má boca diz que o vestibular é fácil, e agora mais essa, se o professor for bom demais, é demitido por excesso de qualificação. As prioridades gerais das universidades particulares no Brasil podem até mantê-las economicamente viáveis a curto prazo, mas não tem como resultar em melhor faturamento a longo prazo, uma vez que a universidade continuamente perde prestígio, ao invés de ganhar. As duas universidades com maior capital do planeta são particulares: Harvard e Yale (respectivamente 37 e 23 bilhões de dólares), porém imaginem se na fundação do departamento de física de Yale eles tivessem decidido demitir o Josiah W. Gibbs depois que ele adquiriu o doutorado em física matemática. Para ser contratado hoje em dia em uma universidade destas é necessário, no mínimo, vários pós-doutorados, ou uma produção científica excepcional, e ainda assim, são universidades muito mais ricas que qualquer particular (ou pública) no Brasil.

1 comentários:

Andrew Makoy disse...

"O que é barato sai caro."