Observatório da Imprensa

De longe venho observando a frenesi que tomou conta repentinamente da mídia a respeito do LHC. Físicos profissionais e estudantes como eu que já estão a anos envolvidos com a ciência do LHC devem estar em parte felizes, mas em parte muito tristes (eu certamente estou confuso). A felicidade, naturalmente, é de ver a nossa paixão repentinamente causar tamanho interesse, e claro, há boas razões: o LHC poderá revelar o mecanismo físico por de trás da massa dos bósons W, Z e possivelmente dos léptons e quarks; poderá abrir a porta para compreensão de porque a escala eletrofraca (102 GeV) é tão pequena em comparação com a escala gravitacional (1019 GeV); poderá descobrir se o universo tem mais que 3 dimensões espaciais, sendo as dimensões extras de tamanho subatômico; poderá revelar se a Relatividade Especial é apenas um pedaço de uma simetria ainda maior na Natureza chamada supersimetria; poderá finalmente produzir em laboratório a matéria escura, que é responsável por cerca de 25% de toda a densidade de energia do universo; poderá produzir mini-buracos negros que permitiriam estudar finalmente efeitos da gravidade na mecânica quântica, como a radiação Hawking. Enfim, estamos todos muito excitados!


Mas a tristeza é ver que o interesse repentino da mídia em nada tem a ver com as boas razões que mencionei acima. Quase totalidade dos programas de TV e publicações de jornais e revistas sobre o LHC vem distorcendo a ciência. cry

Primeiro, são passagens como:

O lançamento é o maior experimento da história da física para entender a origem do universo. (Yahoo Notícias)

Cientistas testam com sucesso máquina que tenta reproduzir o Big Bang (Folha de S. Paulo)

'Máquina do Big Bang' só deve produzir resultados em 2009 (Globo Notícias)


Uau! Os físicos vão fazer um Big Bang em laboratório e outros absurdos. E pior: mesmo alguns físicos de partículas ajudaram essa propaganda.angry

Na realidade, de modo algum o LHC é um simulador de Big Bang no sentido literal do termo, então a mídia deveria tomar muito cuidado, principalmente na escolha da manchete. Para começar, o universo primordial é composto por altíssima densidade de uma sopa primordial de partículas elementares de vários tipos interagindo umas com as outras e com um campo gravitacional. O LHC não é um simulador de Big Bang: ele reage apenas feixes de prótons a baixa densidade e na ausência de um campo gravitacional — portanto, condições muito diferentes do universo primordial —, e tampouco ele "simula um Big Bang" no sentido da criação do universo propriamente dita. Contudo, de fato os experimentos poderão talvez ajudar na compreensão do universo primordial. Por exemplo, o LHC talvez possa descobrir matéria escura e obter as taxas de reações dessas partículas. Isso pode acontecer se o LHC descobrir a supersimetria e medir parte dos parâmetros do modelo supersimétrico. Nesse caso, poderemos utilizar os resultados experimentais do LHC para estudar a produção da matéria escura no início do universo (contas que na realidade já foram feitas!). O LHC também poderá fornecer a explicação para o problema da assimetria matéria-antimatéria no universo, dependendo se for possível medir efeitos da chamada violação carga-paridade (CP) em partículas novas (a serem descobertas do LHC). Em poucas palavras, o que o LHC estuda são reações na escala de 10-16 cm, que então podem ser usadas para fazer contas no modelo do Big Bang sobre a produção de partículas que foram descobertas no LHC, igual como se usa física nuclear para calcular a nucleossíntese primordial. Nesse sentido, o LHC é tanto "máquina do Big Bang" quanto qualquer acelerador de núcleos dos anos 30. Mas pouco aprenderemos sobre o Big Bang propriamente dito, isto é, o modelo de criação do universo usado na Relatividade Geral. O LHC estudará uma faixa de energia que já é sabido ter pouca importância para a Cosmologia (a chamada transição de fase eletrofraca). O LHC entra apenas fornecendo as partículas que devemos colocar dentro do Big Bang.

Segundo, é essa insistência infundada de mencionar os tais cenários de destruição da Terra, que aparece em praticamente todos os jornais:

Alguns céticos disseram temer que a colisão dos prótons pudesse provocar o fim do mundo. (Agência Reuters)


Opa, céticos? Não, lunáticos, é bem diferente. Você chamaria de cético alguém que diz que a gravidade não existe, e que não precisa ter medo de cair da beirada de um precipício? Não, né? Mesma coisa.

Também há algumas imprecisões aleatórias, como

Os cientistas esperam fornecer a força necessária para romper os componentes dos átomos a ponto de ser possível ver como eles são feitos. (Yahoo Notícias)


Falso, a estutura dos átomos já foi "quebrada" faz décadas. E continuando na mesma notícia:

O experimento deve repetir trilhões de vezes o momento ocorrido cerca de 15 bilhões de anos atrás quando, conforme crêem os cosmólogos, um objeto incrivelmente denso e quente do tamanho de uma moeda explodiu, expandindo-se rapidamente para criar as estrelas, os planetas e, um dia, a vida na Terra.


O que só serve para difundir conceitos errados sobre o Big Bang.cry

Daí eu fico triste: a cobertura da mídia está se focando em 1) a idéia, que chama realmente muita atenção, de que o LHC "simula um Big Bang" (falso!) e 2) a possibilidade do LHC destruir o planeta, ao invés de estar focada nas várias boas razões para o LHC que mencionei no início do post, e que são as verdadeiras razões que levam quase todos os físicos a apoiarem o experimento. A verdadeira motivação para o LHC se resume nisso: podemos entender que todos seres vivos macroscópicos são compostos de células, as células de substâncias químicas, as substâncias químicas de átomos, os átomos de prótons, nêutrons e elétrons, os prótons e nêutrons de quarks, e agora queremos saber ainda mais sobre a natureza dos quarks, elétrons e outras partículas que compõe tudo que existe no Universo. Queremos saber onde vai parar essa cadeia de explicações, "tudo é feito de ..."  para poder entender o Universo.cool

1 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns! Uma abordagem muito sensata e precisa .
Parace que além do sensacionalismo normal, responsável por alavancar as vendas de publicações, de uns tempos para cá anda uma ondo de Teísmo. Ou seja surge criadores e seguidores de "religiões" as mais diversas.Primeiro foram os ETEístas ( termo criado por Pepe Chaves), criaram a religião dos ETs, qualquer anomalia mal esclarecida é culpa dos ETs. Agora, mas certamente não a última, a religião dos LHCístas.
Realmente a ignorância, científica ou não, mata.
Mais uma vez parabéns.
Jose Ildefonso