Por que existe carga elétrica, mas não existe carga magnética? Ampère e Maxwell mostraram como o campo magnético B se relaciona com uma corrente elétrica (cargas elétricas em movimento). A equação de Ampère-Maxwell no entanto não é suficiente para determinar o campo magnético. É necessária uma equação análoga a lei de Coulomb (ou Gauss), mas como aparentemente não existem cargas magnéticas na Natureza, Maxwell impôs a mesma lei de Gauss para o campo magnético mas com carga zero. No entanto, é possível mostrar que as equações de Maxwell possuem uma simetria: coloque nas equações uma carga magnética
junto com uma corrente de cargas magnéticas. Nesta forma, as equações de Maxwell possuem uma simetria de rotação: se
E e
B são soluções da equação de Maxwell para as densidades de cargas elétricas e magnéticas
,
e respectivas correntes, então também é solução das equações os campos
E' e
B' dados por
onde
é uma matriz (operação de) rotação por um ângulo
, para cargas elétricas e magnéticas rotacionadas pela mesma operação
R. Visto dessa forma, a ausência de cargas magnéticas é uma mera convenção de unidades, uma escolha de definição dos campos elétrico e magnético. Isso não é surpreendente porque quando se muda o referencial, campos magnéticos e elétricos se misturam. A carga magnética introduzida dessa forma é chamada de
monopolo magnético de Dirac.
O monopolo de Dirac pode ser eliminado o tanto que o ângulo
seja um parâmetro livre, sem nenhum mecanismo particular para fixa-lo. Até hoje, todos os experimentos parecem indicar que sempre podemos eliminar a carga magnética.
Monopolo de 't Hooft e Polyakov
Nos anos 70, Polyakov e 't Hooft descobriram um mecanismo físico que pode fixar o valor do ângulo
, implicando na existência de monopolos magnéticos com efeitos físicos.
Já se sabe que as equações de Maxwell são apenas um pedaço de um conjunto maior de equações, que incluem outros campos
Ea,
Ba além dos campos elétrico e magnético (sendo
a = 1,2,3). O conjunto completo de equações é conhecido como a teoria
eletrofraca, descoberta por Steven Weinberg e Abdus Salam. A interação entre duas cargas elétricas envolve tanto os campos elétricos e magnéticos quanto os campos fracos
Ea,
Ba, só que a lei de Coulomb para os campos fracos é do tipo ~ exp(- 10 r/r
o)/r
2 onde r
o é o raio do próton. Portanto, assim que as distâncias entre as cargas é maior que mais ou menos um décimo do raio do próton, os campos fracos decaem exponencialmente e rapidamente se tornam imperceptíveis em comparação com os campos eletromagnéticos. Mas quando se estuda a interação entre cargas elétricas a distâncias comparáveis ao raio do próton, esses efeitos se tornam perceptíveis. Dois elétrons se afastam tanto porque trocam fótons como também porque trocam partículas da interação fraca.
Uma vez que a força eletromagnética é um pedaço da teoria eletrofraca, é natural imaginar a possibilidade de que os campos eletrofracos e os campos da
força nuclear forte (responsável por manter os núcleos atômicos coesos) podem ser parte de um conjunto único de equações, que mistura todos esses campos. Essa proposta é conhecida genericamente pelo nome de GUT (
Grand Unified Theory). Em algumas GUTs [aquelas em que o campo de calibre não é simplesmente conexo], campos que interagem com todos os campos da GUT geram uma carga magnética
automática, fixando o valor do ângulo
e impedindo assim que possamos remover a carga magnética por uma redefinição dos campos. Tipicamente, esses campos estão associados a partículas muito pesadas, ~ 10
15 GeV (para uma comparação, o LHC colidirá prótons com energia de ~ 10
4 GeV), e portanto os efeitos só são importantes na escala subatômica, explicando a ausência de monopolos magnéticos nas reações estudadas até hoje em aceleradores de partículas. Oriundas desse mecanismo, estas cargas magnéticas são chamadas de monopolos de 't Hooft-Polyakov.
Estes monopolos são estáveis. Estima-se que uma grande quantidade deles deveria ter sido formada no universo primordial e sobrevivido até hoje, permeando o universo igual como a radiação cósmica de fundo. No modelo do Big Bang sem inflação, a densidade atual de monopolos magnéticos deveria ser ~ um monopolo por próton ou nêutron (i.e. um por nucleon). Naturalmente isso não é observado. Se o
modelo inflacionário estiver correto, a densidade atual poderia ser bem menor que 10
-30 por nucleon, mostrando que não há como descartar a existência desses monopolos magnéticos por enquanto.
Então, se o eletromagnetismo e a força fraca forem na verdade parte de uma teoria mais fundamental que incorpora a força forte, é possível que existam monopolos magnéticos na Natureza.
Monopolos magnéticos e discretização da carga elétrica
Uma motivação, ou atrativo, de se introduzir monopolos magnéticos é que a existência deles resolve o problema da discretização da carga elétrica. Dirac mostrou que se existem monopolos magnéticos, então a carga elétrica tem que ser discretizada, isto é, os valores permitidos para a carga elétrica de sistemas físicos deve ser um múltiplo inteiro de uma constante universal. O valor da constante não é fixado, mas isso explicaria porque todos os bárions observados na Natureza sempre possuem ou zero, ou uma, ou duas ... vezes a carga do elétron (ao invés de, digamos, 8/3 ou 1.314 vezes a carga do elétron).
Referências técnicas- Para o monopolo de Dirac, J. D. Jackson, Classical Electrodynamics, John Wiley (edição 2 ou 3)
- S. Weinberg, The Quantum Theory of Fields, Vol. 2, Cambridge University Press, cap. 23
- S. Coleman, Aspects of Symmetry, Cambridge University Press, cap. 6-7
- papers do 't Hooft.
- M. Nakahara, Geometry, Topology, Physics, Taylor&Francis, para os aspectos matemáticos (grupo de cohomologia do espaço de soluções, etc.)
3 comentários:
Prezado professor Leonardo Motta,
Este seu artigo proporcionou-me três satisfações: a primeira, que não havia desistido de continuar atualizando seu blog; a segunda, pela confirmação de que tive uma boa idéia em visitar sua página assiduamente; e a terceira, pelo magnífico texto sobre as equações de Maxwell, cuja teoria tem um detalhe altamente significativo: traz implicitamente o valor de uma constante universal.
Em meu blog, faço rápido comentário sobre “a coragem científica” de Maxwell no item “Testes de consistência”, “Mais evidências de harmonia com a proposta de nova visão da gravidade: O aumento da velocidade da expansão cósmica”.
Abraços, G. G. da Silva
http://kosmologblog.blogspot.com/
kosmologblog@gmail.com
Caro Dr. Motta,
Certa vez você me disse:
"Esta realidade que nos cerca, o Universo, tudo não passa de uma mera condição de contorno das Equações de Maxwell." (Leonardo Motta)
Por favor, comente um pouco a respeito do sucesso e das conseqüências das Equações de Maxwell. Comente também sobre suas limitações...
Bruno
@ G. G. da Silva:
obrigado novamente pelos comentários!
@Bruno: vai precisar de um post inteiro para isso! :) Okay, peguei a sua sugestão e vou prepar um em breve.
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