Buraco negros: peças exóticas da gravidade


Representação artística de um buraco negro que existe no quasar OJ287Representação artística de um buraco negro que existe no quasar OJ287 (fonte: NASA).



Uma das previsões mais exóticas da Relatividade Geral (RG) é a existência de buracos negros. Todos temos uma idéia intuitiva do que se trata: um objeto que gera um campo gravitacional tão intenso que ao cruzar uma certa fronteira, nada mais pode voltar, nem mesmo um raio de luz.

Na quinta-feira passada, foi publicado um trabalho na revista Nature, onde um grupo de astrônomos compara cálculos da Relatividade Geral para o comportamento de um binário de buracos negros (o modelo) com o quasar OJ287 — um núcleo de galáxia que emite muita luz. A cada 12 anos, o quasar tem uma explosão de luz, e a data precisa, em mais ou menos 1 semana de incerteza, pôde ser calculada com o modelo: a última explosão, de setembro de 2007, aconteceu um dia depois da previsão teórica (portanto dentro da incerteza). Mais importante, foi possível outra vez testar a existência de ondas gravitacionais: sem a emissão destas ondas, a explosão deveria ter ocorrido 20 dias depois, o que não foi observado. Este sistema tem campos gravitacionais que são 10 mil vezes mais fortes que os campos do par de estrelas de nêutrons que mencionei no post sobre Big Bang. Este foi mais um teste da Relatividade Geral, e a teoria passou com grande sucesso, acumulando mais evidência da existência de buracos negros no universo.

Hoje em dia, é universalmente aceito que buracos negros são reais. Uma das evidências mais dramáticas é Sagitário A* (SgA* para economia), um objeto pequeno (para escala de uma estrela) ao redor do qual várias estrelas orbitam. O vídeo abaixo mostra uma série de observações astronômicas de um grupo do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre de SgA*. O objeto não emite luz nenhuma e tem tanta massa que a estrelas seguem em órbitas keplerianas. O que isso significa é que SgA* é tão mais pesado que uma estrela quanto o Sol é mais pesado que a Terra. De fato, o objeto só pode ser um buraco negro supermassivo 2,5 milhões de vezes mais pesado que o Sol, uma massa tão grande que a velocidade de escape do campo gravitacional próximo a SgA* é maior que a velocidade da luz.




Um review técnico sobre a evidência astronômica de buracos negros: Martin Rees, astro-ph/0401365.

Mas as coisas não são fáceis na Natureza. Embora sejam previstos teoricamente e observados astronomicamente, buracos negros são uma coisa muito exótica na teoria. Primeiro, a RG impõe que no centro destes objetos não existe espaço nem tempo! Isso é o que se chama da singularidade espaço-temporal de buracos negros, e ela é inevitável na RG (um teorema provado por Stephen Hawking). No entanto, parece que a singularidade é impossível de ser medida, porque buracos negros possuem horizontes de eventos: imagine uma região esférica ao redor do buraco negro, se você cruzá-la não pode mais voltar. Isso significa que se há um observador dentro do horizonte de eventos, nenhum sinal que ele emitir pode chegar a quem está fora, em outras palavras, nenhuma informação sobre o que acontece no buraco negro pode ser obtida por quem está fora. Se isto sempre acontece com singularidades não se sabe, mas conjecturou-se que sim [1]. Isso gera também um paradoxo com a mecânica quântica: se imaginarmos um sistema físico descrito por uma certa quantidade de variáveis, ao cruzar o horizonte de eventos o buraco negro num certo sentido destrói estas propriedades. Em mecânica quântica isso só é possível se ocorrer uma transformação chamada não-unitária no sistema, o que tem significado físico de violar a interpretação probabilística da teoria (ou de forma equivalente, de não conservar a energia). Esse paradoxo é conhecido como o paradoxo da perda de informação em buracos negros [2]. Isto é um problema muito sério, pois é uma aparente contradição entre duas teorias fundamentais da Natureza.

Outra característica exótica: é possível que no centro do buraco negro exista uma ponte de acesso a outra região do espaço, chamada de wormhole, ponte de minhoca ou ponte de Einstein-Rosen [3]. O buraco negro possui uma região do seu espaço interior que o liga com outro universo!



Diagrama espaço-tempo de um buraco de minhoca de C. Misner, K. Thorne e J. Wheeler, Gravitation, W. H. Freeman (1973).


Já foi estudado a possibilidade de se usar esse efeito de buracos negros para viagens espaciais, mas eu é que não gostaria de atravessar uma singularidade espaço-temporal para isso! Bom, na verdade, buracos negros não podem ser usados para viagens espaciais, isso é um fato da teoria, porém é possível construir modelos teóricos de buracos de minhoca que poderiam ser usados para viagens espaciais. No entanto, isso só é possível se existir matéria exótica no universo, que se comporta como a constante cosmológica, que não pode ser constituída por bárions (prótons, nêutrons, elétrons, etc.) ou matéria escura.

Muitas destas dificuldades teóricas com os buracos negros foram grandes motivadores de vários progressos da teoria de supercordas, que é um modelo (de brinquedo na minha opinião) para a gravidade quântica, e você pode ler mais sobre isso no livro de Hawking e outros, "O futuro do espaço-tempo", Cia. das Letras. Que eu saiba, nenhum destes problemas é satisfatoriamente resolvido na teoria de cordas.


Notas

  1. Isso é o que se chama da conjectura da censura cósmica.
  2. Mais detalhes no site do Baez.
  3. Para mais: aqui, mais técnico aqui, e para quem conhece as equações da Relatividade Geral, um artigo do Americal Journal of Physics aqui.

Richard Dawkins e Lawrence Krauss

Richard Dawkins recentemente fez várias visitas a universidades norte-americanas, como Columbia e NYU, Texas, Berkeley, etc. Em Stanford ocorreu um diálogo (longo) com Lawrence Krauss, um físico teórico atualmente trabalha na Case Western Reserve University, ex docente de Yale, que também já publicou livros de divulgação científica (como A Física de Jornadas nas Estrelas). O foco da conversa foi educação de ciência.

Para quem entende inglês, os vídeos estão disponíveis online no YouTube/Google Videos, cortesia da Richard Dawkins Foundation.

Big bang e grande explosão: mal entendidos em Física vol. I

Há muitos mal-entendidos da Física, seja na mídia, na compreensão pública de ciência ou mesmo entre os próprios físicos.

Um dos maiores quiproquós é a idéia de que o Big Bang é uma teoria de uma grande explosão. Este post é para explicar a idéia básica da teoria e desmistificar esse mal-entendido.

O modelo do Big Bang é constituído por três idéias:

  1. A validade da Relatividade Geral (RG) em larga escala
  2. O universo é espacialmente homogêneo e isotrópico
  3. A distância média entre galáxias no universo aumenta com o tempo
1. A RG é a atual mais bem sucedida descrição da gravidade conhecida. Um dos sistemas que permite grande precisão no teste da teoria é um par de estrelas de nêutrons que orbitam uma a outra. Segundo a RG, este sistema emite radiação gravitacional e por isso o período orbital diminui com o tempo. Isso acontece com qualquer sistema, mas os efeitos da RG são significativos apenas quando o campo gravitacional se torna muito intenso, como no caso deste par de estrelas. Trinta anos de observação do período do sistema são resumidos no seguinte gráfico [1]:



No eixo dos x está o ano em que a medida do período foi feita (1975-2005), e o eixo dos y representa grosso modo o decaimento do período orbital. Os pontos são as medidas experimentais, e a linha sólida é o cálculo obtido da RG (não é um ajuste de curva). Em resumo, a teoria prevê corretamente o comportamento do sistema com uma precisão atual de 0.2%, que é comparável ao Modelo Padrão da física de partículas.
A única coisa que você precisa saber sobre a RG para entender o resto do post é o seguinte: nesta teoria é o próprio espaço-tempo que age como o campo gravitacional (ou mais precisamente, a curvatura da geometria do espaço-tempo).

2. Existe uma radiação eletromagnética que permeia todo o universo, de freqüência na região de microondas, e que é a mesma em todas as direções e em todos os pontos do universo. Esta radiação é chamada de radiação cósmica de fundo (CMB da sigla em inglês). Em 2003, o o satélite da NASA WMAP lançou um mapa da presença desta radiação em toda abóboda celeste:

As regiões azuis são mais frias, e as regiões vermelhas são mais quentes. O que importa para nós aqui é que a diferença de temperatura típica entre dois pontos do universo é da ordem de 10-5 ºC. Ou seja, a temperatura de qualquer ponto do universo é em média a mesma até o 4 dígito significativo. O universo é observado como altamente isotrópico e homogêneo.

3. As medidas da recessão mútua das galáxias datam de ~ 1930. Eis o que temos [2]:


Neste gráfico está traçada a distância da galáxia DL vs. um parâmetro que decresce com a idade do universo (o desvio para o vermelho do espectro da luz). Vai ficar mais claro o significado do gráfico daqui a pouco.

Chegamos a conclusão que 1) e 2) são fatos sobre o universo. Pois bem, só existe um único tipo de solução para o espaço-tempo da RG que satisfaça 2), conhecida já faz quase um século. Esta solução diz que a distância típica entre galáxias deve ser uma função do tempo. Esta função pode ser crescente ou decrescente, dependendo da composição do universo (quer dizer, do que interage com a gravidade: fótons, prótons, nêutrons, etc). O fato 3) é a medida experimental desta função e prova que a distância típica aumenta com o tempo.

É intuitivo imaginar que se a distância aumenta com o tempo, então ao voltar ao passado, deve haver um valor para o tempo no qual a distância típica entre dois pontos do universo era zero. Isso é erroneamente interpretado como a idéia de que todo o universo estava concentrado em uma região muito pequena. Não é bem assim. É possível calcular o volume do universo no modelo do Big Bang, e este é sempre infinito [3]. Como a distância típica entre dois pontos diminui ao voltar ao passado mas o tamanho total do espaço não, o que realmente acontece é que a densidade do universo cresce.

Quando a densidade aumenta, a temperatura do material que compõe o universo também aumenta. Por isso, o universo era composto por matéria muito quente no início. Quando a temperatura era cerca de 1010 K (1 milhão de vezes mais quente que o núcleo do Sol), a densidade era tamanha que o universo era formado por prótons, nêutrons, elétrons, pósitrons, fótons e outras partículas subatômicas. É possível fazer um cálculo, sob estas condições, do que acontece depois — é um cálculo simples de física nuclear que se estuda em laboratórios desde o início do século XX. Isso foi feito pela primeira vez por George Gamow e Ralph Alpher na década de 40, e eles mostraram que o esfriamento subseqüente do universo combina prótons e nêutrons de tal forma que do total de átomos do universo, aproximadamente 75% vira hidrogênio, 25% hélio, e frações muito pequenas são produzidas de lítio e carbono e qualquer outro elemento. A abundância dos elementos químicos observada astronomicamente é exatamente esta! Isso foi a primeira comprovação de uma previsão do modelo do Big Bang.

Como você pode ver, não há nenhuma explosão no modelo do Big Bang. Não há nenhuma "bola de fogo que explode", ou "toda a matéria do universo concentrada numa região menor que a cabeça de um alfinete que então explode". Seria mais correto dizer: "toda a matéria que hoje compõe o nosso aglomerado de galáxias, um dia esteve concentrada numa região menor que a cabeça de um alfinete". Se você imaginar uma região do tamanho da cabeça de um alfinete quando o universo tinha 2 segundos de vida, há outras reigiões que distam milhares de anos luz deste alfinete, e que hoje estariam a muitos bilhões de anos luz de distância desta mesma região, e isso vale para qualquer ponto do espaço.

A informação que tenho é que o nome Big Bang surgiu por volta de 1940 e foi cunhado por Fred Hoyle. Isso foi na época em que Gamow e Alpher calcularam a primeira previsão concreta do modelo do Big Bang que falamos acima, portanto o modelo ainda não tinha sido testado. Hoyle preferia modelos onde o universo sempre existiu e existirá. Ele achava inapropriada a idéia de que o universo só existiu por um tempo finito, e satirizou a idéia dizendo algo como "não havia nada e então, Bang! o universo passou a existir". Hoyle não queria passar a imagem de uma explosão (pelo menos não no sentido físico-químico da palavra), e sim transmitir a idéia de que no modelo do Big Bang parece incompleta a idéia de que o universo passa a existir do nada.

Não sei onde a má interpretação do nome surgiu. Ela é mundialmente adotada pela mídia, e as vezes até físicos profissionais e materiais de divulgação científica. Alguns adotam sabendo que é imprecisa e errada mais por uma questão de simplificação da idéia; outros (dentro do público geral) acham que esta simplificação é literalmente a teoria do Big Bang.

Para saber mais
  • "A Dança do Universo", Marcelo Gleiser, Cia. das Letras
  • "O universo inflacionário", Alan Guth, Ed. Campus
  • Este bem escrito, tecnicamente correto, sítio com material sobre o assunto:
    http://map.gsfc.nasa.gov/universe/

Referências e notas
  1. astro-ph/0407149
  2. W.-M. Yao et al., J. Phys. G 33, 1 (2006), Big Bang Cosmology Review (web)
  3. Caso o universo seja espacialmente plano, ou tenha curvatura positiva. Os dados experimentais apontam que o universo é espacialmente plano.

100 anos de John Bardeen



Em 23 de maio de 2008, John Bardeen completaria 100 anos.

Bardeen foi o único cientista a ganhar duas vezes o prêmio Nobel da Física, e uma vez por uma descoberta experimental e outra teórica! Em 1956, por ter sido um dos inventores do transistor, e em 1972 por ter proposto a teoria microscópica das interações entre os elétrons que explica a origem da supercondutividade do tipo I.

Este mês, a Physics World preparou uma edição especial sobre Bardeen.

Os trabalhos de Bardeen são de suma importância para a ciência. Os dois prêmios Nobel que recebeu foram devidos as suas pesquisas sobre uma bela e simples pergunta:

O que causa a condução elétrica dos materiais?

A condução elétrica é um fenômeno que só pode ser plenamente explicado dentro da mecânica quântica, que foi desenvolvida por volta de 1920. Com a descoberta da teoria das bandas de condução eletrônica em sólidos foi possível explicar como funciona os semicondutores. Conhecendo a origem do mecanismo de condução nestes materiais, Bardeen, Brattain e Shockeley projetaram o diodo de semicondutor e o transistor, que hoje são componentes fundamentais dos circuitos dos computadores digitais.

Mais curiosos que os metais e semicondutores, são os materiais supercondutores. Estes materiais tem resistência elétrica identicamente nula. Para os supercondutores do tipo I, Bardeen, Schrieffer e Cooper mostraram que uma interação entre os elétrons anula o efeito da resistência, de modo que o movimento coletivo dos elétrons no sólido gera uma corrente que se sustenta por tempo indeterminado. Um dos fenômenos da supercondutividade do tipo I é que o material expele qualquer campo mangético do seu interior, conhecido como o efeito Meissner.






Vídeo educativo mostra o efeito Meissner.

Bardeen ingressou na universidade estadual de Wisconsin em Madison para fazer engenharia elétrica. Ele se formou em 1928 e trabalhou como engenheiro até 1933, quando decidiu largar a engenharia e seguir em um doutorado em física matemática na Universidade de Princeton. Ele foi orientado por Eugene Wigner e decidiu fazer sua pesquisa de doutoramento em física do estado sólido. Depois da guerra, Bardeen foi contratado no Bell Labs onde suas pesquisas de estado sólido levaram a invenção do transistor. Em 1951, Bardeen foi contrato como professor de engenharia elétrica e física na Universidade de Illinois, e foi em 57 que ele propôs a explicação da supercondutividade do tipo I.