A origem da gravidade

O que causa a gravidade? Em um post anterior falei sobre a relação entre a termodinâmica e os buracos negros, que parecia indicar uma relação íntima entre gravitação e termodinâmica. Na gravitação clássica, vemos que é possível fazer um paralelo completo entre as equações da Relatividade Geral e as equacões da termodinâmica. Quando se estuda um sistema quântico na presença de um buraco negro, é possível demonstrar passo-a-passo que o buraco negro é um corpo negro que emite radiação a uma certa temperatura T, portanto de fato buracos negros agem como sistemas termodinâmicos. Como a gravitação clássica "já sabia" que o buraco negro deveria se comportar como um sistema termodinâmico?

Uma possível resposta para essa pergunta foi formulada por Ted Jacobson, da Universidade de Maryland, em 1995 [1]. Como vimos antes, observadores acelerados podem emitir luz para regiões mas não podem receber sinais de luz delas. Para todos efeitos, essa região, parte do chamado horizonte de Rindler de um observador acelerado, age como um buraco negro, mesmo na ausência completa de matéria e gravidade. Vimos que na mecânica quântica é possível fazer um cálculo que mostra que o vácuo de um observador inercial é um corpo negro cheio de partículas quando visto por um observador acelerado, com uma temperatura T proporcional a aceleração do observador. Isso levou Jacobson as seguintes considerações: imagine que um observador dentro do seu cone de luz em IV (ver Fig. 1) supõe que as regiões I e III onde vivem observadores acelerados são um sistema termodinâmico com temperatura T proporcional a aceleração da órbita de um observador acelerado imediatamente fora do cone de luz — ou seja, consideramos o limite em que a órbita acelerada coincide com as linhas do cone de luz [2]. Daqui para diante, vamos nos referir então a essas regiões como sistema, simplesmente.


Fig. 1: Diagrama t-x do movimento de um observador acelerado. As linhas tracejadas determinam o interior do cone de luz (regiões II e IV) de um observador inercial que esteja parado na posição x = 0. A linha sólida é um exemplo de uma trajetória de um observador acelerado, como visto no referencial do observador inercial parado em x = 0. O vetor u é a velocidade do observador, e o vetor a é a sua aceleração. (C. Misner, K. Thorne, J.A. Wheeler, Gravitation, Freeman Co., sem permissão)


Adote como válida a primeira lei da termodinâmica para o sistema:


que diz que a variação de energia interna  de um sistema em um determinado processo termodinâmico é igual ao calor recebido pelo sistema , onde é a variação da entropia no processo e a temperatura do sistema. A medida que o tempo passa, partículas do cone de luz IV podem cruzar o cone de luz e ir parar nas regiões I e III, e vamos considerar isso como uma transferência de energia para o sistema. Em Relatividade, podemos associar qualquer fluxo de energia e momento com uma certa quantidade denotada por  (o tensor de energia-momento), que vamos naturalmente identificar como parte de . Usando a hipótese de que a variação da entropia é igual a variação da área do cone de luz, então a equação da primeira lei da termodinâmica pode ser reescrita de forma a dizer que deve haver uma distorção dos cones de luz, uma contração ou expansão, dependendo do fluxo de energia . Com um pouco de trabalho e muita perspicácia, essa equação da termodinâmica pode ser resolvida com a equação da Relatividade Geral que relaciona o campo gravitacional com a matéria


Vista desse ponto de vista, a Relatividade Geral é a equação de equilíbrio termodinâmico entre espaço-tempo e matéria. Isso sugere que a gravidade é um efeito macroscópico, resultado da interação de partículas com os cones de luz da Relatividade Especial, e não uma força fundamental da Natureza. 

A idéia de Jacobson é muito atraente por diversas razões. Ela responde a origem da relação entre termodinâmica e gravidade: seria uma identidade. O problema da quantização da gravidade desaparece: sendo a gravidade um efeito macroscópico, um limite termodinâmico, ela não existe microscopicamente, portanto não faria sentido discutir a descrição quântica da gravitação.

Contudo, a idéia não é conclusiva ainda. Não há nenhuma justificativa para a proporcionalidade entre e a variação da área do cone de luz. Na demonstração de Jacobson (ou qualquer outra versão do mesmo argumento) isso é uma hipótese que ainda precisa ser verificada como válida. A motivação dessa proporcionalidade é, naturalmente, a termodinâmica de buracos negros, porém mesmo nesse caso essa relação não tem uma demonstração (é apenas uma identificação por analogia). 

A questão é que não se pode ainda usar as técnicas da teoria da informação para calcular as entropias desses supostos sistemas termodinâmicos do espaço-tempo. Como vimos, a entropia é uma medida de falta de informação. Como horizontes bloqueiam observadores de obter acesso a regiões do espaço-tempo, eles são candidatos naturais a ter entropia: eles escondem informação sobre tudo que acontece dentro deles. Mas exatamente que informação está faltando? No caso de um gás de partículas, nós sabemos: são as posições e velocidades de cada partícula que não foram medidas. E no caso de buracos negros ou do horizonte de Rindler?

Para o caso de buracos negros é um completo mistério. É ainda mais complicado porque a noção de entropia como desordem para buracos negros é falha, e também a noção de que a entropia contaria graus de liberdade internos tem se mostrado confusa. O interior de um buraco negro pode conter inclusive um universo inteiro (a chamada solução de Oppenheimer-Synder) que tem infinitos graus de liberdade internos. Não parece que podemos obter qualquer resposta finita para a entropia de um buraco negro se esta estiver associada a graus de liberdade. Para o horizonte de Rindler é menos complicado, em especial porque é possível demonstrar que de fato o vácuo do observador inercial tem uma entropia S associada a ele quando visto de um observador acelerado, mas como mostrar que essa entropia é proporcional a área do cone de luz ainda é um mistério.

Essa é portanto a história do que sabe até o momento a respeito do problema dessas curiosas relações entre a gravidade e a termodinâmica. Um terreno fértil para idéias novas, onde muita coisa ainda precisa ser esclarecida.


Nota
  1. Jacobson, Ted. Phys. Rev. Lett. 75, 1260-1263 (1995), arxiv:gr-qc/9504004.
  2. Esse limite é possível porque a órbita de um partícula acelerada tende ao cone de luz no limite em que a aceleração vai a infinito.

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