Religulous

O comediante Bill Maher vai lançar semana que vem, em 3 de outubro, um documentário crítico sobre religião, Religulous, que promete ter seus momentos cômicos, talvez algo na linha dos filmes do Michael Moore (Tiros em Coulumbine, Farenheit 9/11, Sicko). Bill será o próximo convidado do programa The Daily Show, que é muito bem conhecido nos Estados Unidos, no dia 30 de setembro. A entrevista estará disponível no site do programa a partir do dia 1 de outubro. O trailer (legendado em português!) promete um bom filme. Ele já esteve no Larry King (entrevista sem legenda, em inglês).

Há dois documentários muito pouco conhecidos até o momento que são críticos a religião, The Root of All Evil de Richard Dawkins e The God Who Wasn't There. Eu gostei bastante deste segundo, que é sobre o problema de Jesus histórico, i.e. se Jesus realmente existiu ou não. O problema desses filmes é que eles são ácidos demais para conseguir balançar o crente comum. Eles mais produzem um sentimento de revolta do que iluminação, na minha opinião. Espero que esse novo filme de Bill seja mais sereno, e com isso consiga maior espaço na mídia e distribuição, e possibilite educar mais as pessoas sobre o problema do ópio do povo.

Eu certamente vou assistir esse filme. smile

Enquanto isso, podemos ver vários vídeos no YouTube do Bill Maher.

Bobagens sobre o custo do LHC

Das notícias sobre o LHC para mim a parte mais interessante é observar a reação do público. Algumas são cômicas, mas uma classe de comentários me preocupa: os ligados ao custo do projeto. As alegações são muito infundadas, genericamente baseadas na idéia falsa de que o LHC é um projeto muito caro. Não é, o LHC sai de graça. O custo total para por o LHC em funcionamento, incluindo material e pessoal do sítio, o acelerador por completo, cerca de 15% de todos os detetores, e o cluster de computadores ficará em US$ 5.6 bilhões [1]. Como o projeto começou em 2001, são 8 anos de construção, o que dá apenas US$ 700 milhões por ano divididos entre 20 países da Europa, o que dá uma média de um investimento de US$ 35 milhões por país durante 8 anos.

A Europa por ano gasta apenas 1.8% do PIB com ciência e tecnologia, os EUA 2.6%, o Japão 3.4% [2]. O orçamento do LHC é uma pequeníssima parcela desse investimento, pois, 1.8% do PIB Europeu é US$668 bilhões. Isso significa que a Europa está gastando 0.1% do seu investimento de ciência com LHC, que é um dos projetos mais proeminentes da ciência de hoje. Há enorme espaço no PIB desses países para gastos com outros fins, e na parte específica que vai para pesquisa em ciência e tecnologia, ainda resta 99.9% do orçamento para outros projetos.

Os Estados Unidos sozinho poderia bancar o LHC. De fato, os EUA sozinho poderia ter financiado o SSC. Mas os EUA tem outras prioriades: nos últimos 5 anos, só a guerra do Iraque custou US$845 bilhões diretos dos cofres públicos norte-americanos, e tem um custo projetado de US$ 3 trilhões para a economia dos EUA [3]. E a Inglaterra, até 2006, gastou US$ 9 bilhões do dinheiro público [4] na guerra. Ainda falta somar a guerra do Afeganistão. Semana passada, o governo norte-americano perdoou uma dívida de US$85 bilhões da AIG. Uma única junta privada ganhou, em um único dia, o equivalente ao custo de 14 LHCs. Hoje, o Congresso norte-americano liberou US$700 bilhões para perdoar as dívidas de empresas hipotecárias [4]. Então, se alguém ai quer reclamar de aplicar dinheiro para fins como filantropia, há lugares muito mais sérios e importantes para olhar do que a miséria do investimento em pesquisa e tecnologia, e a fração ainda mais insignificante do LHC desse montante do dinheiro na Europa e Estados Unidos.

E no Brasil, que tal comparar o gasto anual dos salários de todos os funcionários e políticos do Congresso e do Senado com o orçamento total para investir em ciência e tecnologia do MCT por todo o país, incluindo-se ai os gastos com bolsas para pesquisa, centros de pesquisa, e todo o resto? Eis os números: ciência vs. Senado e Congresso. Com um investimento como esse em ciência, tem certeza que o LHC é caro?

O que eu falei acima é óbvio para muita gente. Mas por alguma razão, os números do LHC fizeram as pessoas esquecerem de como o efetivo investimento em desenvolvimento de ciência e tecnologia por todo o planeta não corresponde a parcela da participação da tecnologia e ciência na economia mundial.

Referências


  1. CERN Brochure 2008 Nota: a tabela de custo do LHC neste documento está em francos suíços.
  2. Estimates of National Research and Development, National Science Foundation, Aug 2008.
  3. Reuters.com
  4. Bloomberg
  5. Isso está por toda a mídia, mas essa lista de perguntas & respostas do NY Times coleta as informações relevantes.

Sinais de nova física?

Hoje William Marciano, Alberto Sirlin e Massimo Passera tornaram pública uma análise sobre possíveis indicações de nova física na medida do momento magnético do múon. Esse parâmetro foi medido com enorme precisão pelo experimento E821 no acelerador de partículas RHIC do Brookhaven National Laboratory, em Upton, Nova York. O resultado experimental é


onde  é a massa do múon. O valor teórico calculado do Modelo Padrão é


Há uma pequena diferença do valor experimental para o teórico, de 302(88) × 10-11, i.e. 3.4σ. O valor teórico é constituído de três contribuições, de processos que incluem 1) apenas léptons e fótons, 2) os bósons W e Z, 3) hádrons. Neste recente artigo foram analisados possíveis erros de cálculo teórico da contribuição 3). No entanto, esses cálculos atrelam um valor máximo para a massa do Higgs (em outras palavras, são sensíveis a quão pesado o Higgs é) . Por outro lado, as buscas experimentais diretas do acelerador de partículas LEP do CERN indicam que a massa do Higgs deve ser maior que 114 GeV/c2. Dessa forma é possível determinar uma janela dos valores possíveis da massa do Higgs usando o resultado do LEP e do momento magnético do muon. Os autores então mostraram que se permitimos modificações nos cálculos teóricos para o momento magnético, o valor máximo da massa do Higgs fica menor que 133 GeV/c2, muito próximo do valor mínimo. Em uma dessas estimativas de mudança de cálculo, a conclusão seria que o Higgs não existe — o valor máximo fica menor que o valor mínimo —, contradizendo as hipóteses do cálculo.
Pode ser que de fato há um erro no cálculo e a massa do Higgs esteja no intervalo (114,133). Marciano, Massimo e Sirlin, que são profissionais de enorme experiência com cálculos desse tipo, entendem que isso é pouco provável. Todavia se não há erro no cálculo, o momento magnético do muon sinaliza que há efeitos novos que ainda não foram levados em consideração, tais como a supersimetria.
Se essa discrepância indica ou não evidência para nova física além do Modelo Padrão ainda era uma questão polêmica até uns anos atrás, mas essa análise recente parece colocar a evidência de nova física mais plausível.

LHC atrasará por cerca de dois meses

A notícia oficial saiu hoje. O LHC teve um vazamento no sistema criogênico e deve ter um atraso de pelo menos 2 meses, então nada mais da primeira colisão ser realizada em algum momento de outubro. sad

O único comentário pertinente é o seguinte: isso é absolutamente normal. Quando o LHC estava em construção, parte dos imãs supercondutores falharam causando atrasos. Em qualquer experimento em ciência, boa parte do trabalho consiste em resolver problemas e dificuldades inesperadas que vem ao longo do caminho. O problema anterior e este novo são apenas dois exemplos das dificuldades tecnológicas envolvidas quando se tem o maior sistema criogênico jamais realizado. 

Mestres viram doutores e são demitidos

Segundo uma matéria da revista Valor Econômico, aparentemente no Brasil dos últimos anos professores de universidades particulares foram demitidos depois de fazerem um curso de pós-graduação. O presidente do sindicato das particulares, H. F. Figueiredo, explica porque isso acontece:


O número de doutores depende do programa pedagógico de cada instituição, a universidade é como qualquer empresa, há uma avaliação de desempenho, não publicou durante o ano, será dispensado.

Isso não parece ser verdade. Por exemplo, o CNPq mostra que, excetuando-se a PUC, nem 1% de toda produção científica do Brasil financiada pelo órgão é realizada nas universidades particulares (a PUC-RJ com 2,4%). Segundo artigo da Folha de S. Paulo de uns anos atrás, a grande maioria dos professores de universidades particulares dão em média 40h semanais de aula, alguns até mais. Portanto, as universidades particulares de modo algum vêm contratando com base na produção científica, intelectual ou artística. Não faz nem sentido: se elas só contratam 1/3 de pessoas com pós-graduação, 2/3 do seu corpo docente nem se quer tem a qualificação intelectual para produzir material publicável. A Unip é uma das maiores universidades do Brasil, se 1/3 do seu corpo docente estivesse sendo mantido com base em excelência de publicações, a universidade já teria figurado no Times Higher Educational Supplement ou no Academic World Ranking, mas isso não aconteceu. Como profissional incipiente na área de pesquisa, eu posso assegurar que nunca vi um único artigo científico que foi publicado por um pesquisador da Unip. Se existe algum, precisa de muita experiência em pesquisa para acabar vendo (1 em um milhão?).
FIgueiredo também diz:

Uma universidade numa cidadezinha de Tiririca da Serra não tem condição de contratar um doutor por tempo integral para pesquisar e em nenhum lugar está escrito ou provado que um doutor é melhor professor do que um profissional com experiência.

Dois problemas com esse comentário. Primeiro, se você tem uma universidade que diz que oferece um curso de medicina, é melhor que você realmente possa ensinar medicina. Isso inclui ter laboratórios de química, biblioteca equipada, cadáveres indo para as aulas de cirurgia, material cirúrgico, vários outros equipamentos didáticos, e professores qualificados. Se você quer ter uma universidade em Tiririca da Serra, você deve transferir todo o equipamento necessário para isso, e não apenas abrir um prédio com título de universidade que depois formará profissionais sem a qualificação necessária.

Segundo, um doutor em particular pode não ser melhor professor, mas se você tem alguém interessado em ser um bom professor, agregar maior qualificação, experiência e conhecimento só irá melhorar a educação. Se olharmos para as universidades mais bem sucedidas no mundo, veremos que há uma forte correlação entre a qualificação do corpo docente e o sucesso do corpo discente.



O mais curioso de tudo isso é que não parece que esse estilo adotado pelas universidades particulares no Brasil ajuda em nada a fazer o faturamento da universidade ser melhor. Não quero soar pretensioso ou arrogante, mas tenho que usar os exemplos que conheço bem. Segundo os jornais de televisão (entendendo ai que pode estar errado), o vestibular da USP é um (ou o mais) concorrido de universidades do país, a média de todos os cursos é 12 c/v. A USP é a mais procurada em São Paulo por que tem uma boa imagem de instituição universitária, totalmente devida a qualificação e a produção intelectual, científica e artística dos professores residentes, mais o resultado de vários dos seus ex-alunos que figuram em quadros de liderança nacional do governo, empresas, produção tecnológica e artística. Muitos que tem alta renda e passam na USP e em uma particular, escolhem a primeira. Isso se comprova pelos dados da própria USP, que mostra que a maioria dos matriculados são de alta renda: uma única rua da região nobre de São Paulo tem mais alunos na USP que todo distrito sul da cidade. Provavelmente a mesma lógica se aplica nos demais estados da federação: se há uma universidade de impacto científico, artistico e cultural, essa atrai mais estudantes (em geral, são as públicas, federais e estaduais, e atraem também alunos de alta renda). As particulares, com sua política de educação como loja de 1,99 — para usar uma comparação feita por um colega — só tem uma imagem denegrida: a má boca diz que o vestibular é fácil, e agora mais essa, se o professor for bom demais, é demitido por excesso de qualificação. As prioridades gerais das universidades particulares no Brasil podem até mantê-las economicamente viáveis a curto prazo, mas não tem como resultar em melhor faturamento a longo prazo, uma vez que a universidade continuamente perde prestígio, ao invés de ganhar. As duas universidades com maior capital do planeta são particulares: Harvard e Yale (respectivamente 37 e 23 bilhões de dólares), porém imaginem se na fundação do departamento de física de Yale eles tivessem decidido demitir o Josiah W. Gibbs depois que ele adquiriu o doutorado em física matemática. Para ser contratado hoje em dia em uma universidade destas é necessário, no mínimo, vários pós-doutorados, ou uma produção científica excepcional, e ainda assim, são universidades muito mais ricas que qualquer particular (ou pública) no Brasil.

Sem Deus

Steven Weinberg escreveu recentemente para o The New York Review of Books sobre religião: Without God.  Para quem gostar desse artigo, o Weinberg publicou uns anos atrás um livro com uma coleção de ensaios sobre ciência e suas adversárias culturais: Facing Up (desconheço se há edição em português). Vale a pena! cool


Fiquei sabendo desse artigo pelo meu colega Daniel Ferrante, do It's Equal but it's different.

A origem da gravidade

O que causa a gravidade? Em um post anterior falei sobre a relação entre a termodinâmica e os buracos negros, que parecia indicar uma relação íntima entre gravitação e termodinâmica. Na gravitação clássica, vemos que é possível fazer um paralelo completo entre as equações da Relatividade Geral e as equacões da termodinâmica. Quando se estuda um sistema quântico na presença de um buraco negro, é possível demonstrar passo-a-passo que o buraco negro é um corpo negro que emite radiação a uma certa temperatura T, portanto de fato buracos negros agem como sistemas termodinâmicos. Como a gravitação clássica "já sabia" que o buraco negro deveria se comportar como um sistema termodinâmico?

Uma possível resposta para essa pergunta foi formulada por Ted Jacobson, da Universidade de Maryland, em 1995 [1]. Como vimos antes, observadores acelerados podem emitir luz para regiões mas não podem receber sinais de luz delas. Para todos efeitos, essa região, parte do chamado horizonte de Rindler de um observador acelerado, age como um buraco negro, mesmo na ausência completa de matéria e gravidade. Vimos que na mecânica quântica é possível fazer um cálculo que mostra que o vácuo de um observador inercial é um corpo negro cheio de partículas quando visto por um observador acelerado, com uma temperatura T proporcional a aceleração do observador. Isso levou Jacobson as seguintes considerações: imagine que um observador dentro do seu cone de luz em IV (ver Fig. 1) supõe que as regiões I e III onde vivem observadores acelerados são um sistema termodinâmico com temperatura T proporcional a aceleração da órbita de um observador acelerado imediatamente fora do cone de luz — ou seja, consideramos o limite em que a órbita acelerada coincide com as linhas do cone de luz [2]. Daqui para diante, vamos nos referir então a essas regiões como sistema, simplesmente.


Fig. 1: Diagrama t-x do movimento de um observador acelerado. As linhas tracejadas determinam o interior do cone de luz (regiões II e IV) de um observador inercial que esteja parado na posição x = 0. A linha sólida é um exemplo de uma trajetória de um observador acelerado, como visto no referencial do observador inercial parado em x = 0. O vetor u é a velocidade do observador, e o vetor a é a sua aceleração. (C. Misner, K. Thorne, J.A. Wheeler, Gravitation, Freeman Co., sem permissão)


Adote como válida a primeira lei da termodinâmica para o sistema:


que diz que a variação de energia interna  de um sistema em um determinado processo termodinâmico é igual ao calor recebido pelo sistema , onde é a variação da entropia no processo e a temperatura do sistema. A medida que o tempo passa, partículas do cone de luz IV podem cruzar o cone de luz e ir parar nas regiões I e III, e vamos considerar isso como uma transferência de energia para o sistema. Em Relatividade, podemos associar qualquer fluxo de energia e momento com uma certa quantidade denotada por  (o tensor de energia-momento), que vamos naturalmente identificar como parte de . Usando a hipótese de que a variação da entropia é igual a variação da área do cone de luz, então a equação da primeira lei da termodinâmica pode ser reescrita de forma a dizer que deve haver uma distorção dos cones de luz, uma contração ou expansão, dependendo do fluxo de energia . Com um pouco de trabalho e muita perspicácia, essa equação da termodinâmica pode ser resolvida com a equação da Relatividade Geral que relaciona o campo gravitacional com a matéria


Vista desse ponto de vista, a Relatividade Geral é a equação de equilíbrio termodinâmico entre espaço-tempo e matéria. Isso sugere que a gravidade é um efeito macroscópico, resultado da interação de partículas com os cones de luz da Relatividade Especial, e não uma força fundamental da Natureza. 

A idéia de Jacobson é muito atraente por diversas razões. Ela responde a origem da relação entre termodinâmica e gravidade: seria uma identidade. O problema da quantização da gravidade desaparece: sendo a gravidade um efeito macroscópico, um limite termodinâmico, ela não existe microscopicamente, portanto não faria sentido discutir a descrição quântica da gravitação.

Contudo, a idéia não é conclusiva ainda. Não há nenhuma justificativa para a proporcionalidade entre e a variação da área do cone de luz. Na demonstração de Jacobson (ou qualquer outra versão do mesmo argumento) isso é uma hipótese que ainda precisa ser verificada como válida. A motivação dessa proporcionalidade é, naturalmente, a termodinâmica de buracos negros, porém mesmo nesse caso essa relação não tem uma demonstração (é apenas uma identificação por analogia). 

A questão é que não se pode ainda usar as técnicas da teoria da informação para calcular as entropias desses supostos sistemas termodinâmicos do espaço-tempo. Como vimos, a entropia é uma medida de falta de informação. Como horizontes bloqueiam observadores de obter acesso a regiões do espaço-tempo, eles são candidatos naturais a ter entropia: eles escondem informação sobre tudo que acontece dentro deles. Mas exatamente que informação está faltando? No caso de um gás de partículas, nós sabemos: são as posições e velocidades de cada partícula que não foram medidas. E no caso de buracos negros ou do horizonte de Rindler?

Para o caso de buracos negros é um completo mistério. É ainda mais complicado porque a noção de entropia como desordem para buracos negros é falha, e também a noção de que a entropia contaria graus de liberdade internos tem se mostrado confusa. O interior de um buraco negro pode conter inclusive um universo inteiro (a chamada solução de Oppenheimer-Synder) que tem infinitos graus de liberdade internos. Não parece que podemos obter qualquer resposta finita para a entropia de um buraco negro se esta estiver associada a graus de liberdade. Para o horizonte de Rindler é menos complicado, em especial porque é possível demonstrar que de fato o vácuo do observador inercial tem uma entropia S associada a ele quando visto de um observador acelerado, mas como mostrar que essa entropia é proporcional a área do cone de luz ainda é um mistério.

Essa é portanto a história do que sabe até o momento a respeito do problema dessas curiosas relações entre a gravidade e a termodinâmica. Um terreno fértil para idéias novas, onde muita coisa ainda precisa ser esclarecida.


Nota
  1. Jacobson, Ted. Phys. Rev. Lett. 75, 1260-1263 (1995), arxiv:gr-qc/9504004.
  2. Esse limite é possível porque a órbita de um partícula acelerada tende ao cone de luz no limite em que a aceleração vai a infinito.

Google Hoje



laughcool

Observatório da Imprensa

De longe venho observando a frenesi que tomou conta repentinamente da mídia a respeito do LHC. Físicos profissionais e estudantes como eu que já estão a anos envolvidos com a ciência do LHC devem estar em parte felizes, mas em parte muito tristes (eu certamente estou confuso). A felicidade, naturalmente, é de ver a nossa paixão repentinamente causar tamanho interesse, e claro, há boas razões: o LHC poderá revelar o mecanismo físico por de trás da massa dos bósons W, Z e possivelmente dos léptons e quarks; poderá abrir a porta para compreensão de porque a escala eletrofraca (102 GeV) é tão pequena em comparação com a escala gravitacional (1019 GeV); poderá descobrir se o universo tem mais que 3 dimensões espaciais, sendo as dimensões extras de tamanho subatômico; poderá revelar se a Relatividade Especial é apenas um pedaço de uma simetria ainda maior na Natureza chamada supersimetria; poderá finalmente produzir em laboratório a matéria escura, que é responsável por cerca de 25% de toda a densidade de energia do universo; poderá produzir mini-buracos negros que permitiriam estudar finalmente efeitos da gravidade na mecânica quântica, como a radiação Hawking. Enfim, estamos todos muito excitados!


Mas a tristeza é ver que o interesse repentino da mídia em nada tem a ver com as boas razões que mencionei acima. Quase totalidade dos programas de TV e publicações de jornais e revistas sobre o LHC vem distorcendo a ciência. cry

Primeiro, são passagens como:

O lançamento é o maior experimento da história da física para entender a origem do universo. (Yahoo Notícias)

Cientistas testam com sucesso máquina que tenta reproduzir o Big Bang (Folha de S. Paulo)

'Máquina do Big Bang' só deve produzir resultados em 2009 (Globo Notícias)


Uau! Os físicos vão fazer um Big Bang em laboratório e outros absurdos. E pior: mesmo alguns físicos de partículas ajudaram essa propaganda.angry

Na realidade, de modo algum o LHC é um simulador de Big Bang no sentido literal do termo, então a mídia deveria tomar muito cuidado, principalmente na escolha da manchete. Para começar, o universo primordial é composto por altíssima densidade de uma sopa primordial de partículas elementares de vários tipos interagindo umas com as outras e com um campo gravitacional. O LHC não é um simulador de Big Bang: ele reage apenas feixes de prótons a baixa densidade e na ausência de um campo gravitacional — portanto, condições muito diferentes do universo primordial —, e tampouco ele "simula um Big Bang" no sentido da criação do universo propriamente dita. Contudo, de fato os experimentos poderão talvez ajudar na compreensão do universo primordial. Por exemplo, o LHC talvez possa descobrir matéria escura e obter as taxas de reações dessas partículas. Isso pode acontecer se o LHC descobrir a supersimetria e medir parte dos parâmetros do modelo supersimétrico. Nesse caso, poderemos utilizar os resultados experimentais do LHC para estudar a produção da matéria escura no início do universo (contas que na realidade já foram feitas!). O LHC também poderá fornecer a explicação para o problema da assimetria matéria-antimatéria no universo, dependendo se for possível medir efeitos da chamada violação carga-paridade (CP) em partículas novas (a serem descobertas do LHC). Em poucas palavras, o que o LHC estuda são reações na escala de 10-16 cm, que então podem ser usadas para fazer contas no modelo do Big Bang sobre a produção de partículas que foram descobertas no LHC, igual como se usa física nuclear para calcular a nucleossíntese primordial. Nesse sentido, o LHC é tanto "máquina do Big Bang" quanto qualquer acelerador de núcleos dos anos 30. Mas pouco aprenderemos sobre o Big Bang propriamente dito, isto é, o modelo de criação do universo usado na Relatividade Geral. O LHC estudará uma faixa de energia que já é sabido ter pouca importância para a Cosmologia (a chamada transição de fase eletrofraca). O LHC entra apenas fornecendo as partículas que devemos colocar dentro do Big Bang.

Segundo, é essa insistência infundada de mencionar os tais cenários de destruição da Terra, que aparece em praticamente todos os jornais:

Alguns céticos disseram temer que a colisão dos prótons pudesse provocar o fim do mundo. (Agência Reuters)


Opa, céticos? Não, lunáticos, é bem diferente. Você chamaria de cético alguém que diz que a gravidade não existe, e que não precisa ter medo de cair da beirada de um precipício? Não, né? Mesma coisa.

Também há algumas imprecisões aleatórias, como

Os cientistas esperam fornecer a força necessária para romper os componentes dos átomos a ponto de ser possível ver como eles são feitos. (Yahoo Notícias)


Falso, a estutura dos átomos já foi "quebrada" faz décadas. E continuando na mesma notícia:

O experimento deve repetir trilhões de vezes o momento ocorrido cerca de 15 bilhões de anos atrás quando, conforme crêem os cosmólogos, um objeto incrivelmente denso e quente do tamanho de uma moeda explodiu, expandindo-se rapidamente para criar as estrelas, os planetas e, um dia, a vida na Terra.


O que só serve para difundir conceitos errados sobre o Big Bang.cry

Daí eu fico triste: a cobertura da mídia está se focando em 1) a idéia, que chama realmente muita atenção, de que o LHC "simula um Big Bang" (falso!) e 2) a possibilidade do LHC destruir o planeta, ao invés de estar focada nas várias boas razões para o LHC que mencionei no início do post, e que são as verdadeiras razões que levam quase todos os físicos a apoiarem o experimento. A verdadeira motivação para o LHC se resume nisso: podemos entender que todos seres vivos macroscópicos são compostos de células, as células de substâncias químicas, as substâncias químicas de átomos, os átomos de prótons, nêutrons e elétrons, os prótons e nêutrons de quarks, e agora queremos saber ainda mais sobre a natureza dos quarks, elétrons e outras partículas que compõe tudo que existe no Universo. Queremos saber onde vai parar essa cadeia de explicações, "tudo é feito de ..."  para poder entender o Universo.cool

Poderemos ver o efeito Hawking finalmente?

Ontem tomei conhecimento de um promissor trabalho recente de Katherine Mack (U. Princeton) e Daniel Wesley (DAMTP, Cambridge) onde uma análise detalhada foi feita da possibilidade de observar a radiação Hawking.


Para começar a história, [era uma vez] olhamos a época do universo logo depois que a radiação cósmica de fundo deixou de estar em equilíbrio térmico com os elétrons e prótons (instante em que isso acontece é chamado de superfície de último espalhamento), quando o hidrogênio, hélio, a matéria escura, começaram a se aglutinar pela atração gravitacional para a formação das primeiras estrelas e galáxias. Essa época do universo é chamada de Idade das Trevas, pois a matéria não estava emitindo luz espontaneamente, e por isso parecia pouco provável que se obteria informação através de medidas astronômicas sobre o que ocorreu nessa etapa de evolução do cosmos. Porém, uma idéia antiga parece ter se tornado viável de observar com a tecnologia atual, que consiste em usar uma certa emissão eletromagnética do átomo de hidrogênio com comprimento de onda de 21 cm, chamada em surto de criatividade, de linha 21 cm.

Pois bem, as características da emissão dessa onda eletromagnética pelo hidrogênio no universo primordial depende de forma muito sensível da temperatura do meio intergalático (que contém hidrogênio). Segundo os cálculos de Mack e Wesley, se já existiam buracos negros mesmo antes da formação das galáxias com massas entre 5× 1010kg — mil vezes menor que o cometa Halley, bem mais leve que a Terra ou a Lua — e 1014 kg, a emissão de fótons e elétrons-pósitrons por radiação Hawking destes buracos negros reaqueceria o hidrogênio de forma a criar uma pequena e observável diferença na emissão da linha 21cm na Idade das Trevas. Dessa forma, no futuro, talvez seja possível finalmente observar a radiação Hawking!

Os experimentos propostos atualmente não teriam sensibilidade ainda suficiente para observar o efeito, mas uma segunda geração mais precisa, como estimado pelos autores, seria. Eles fazem a estimativa imaginando uma atualização de um dos experimentos já propostos, o Square Kilometer Array (SKA), previsto para começar em 2012. Se esta atualização é possível mesmo é complicado determinar nesse momento.

E claro, há uma hipótese grande extra aqui: a formação de buracos negros por um processo que não é o colapso gravitacional de estrelas (lembre: estes aqui se formaram antes das galáxias e estrelas). Modelos que prevém a existência destes buracos negros existem, então é uma excelente idéia ir buscar esses monstros nos dados da rádio astronomia, e quem sabe fazer uma descoberta fundamental sobre a gravidade. cool

Novo documentário fala sobre a caça ao Higgs no Fermilab

Veja o trailer:

http://137films.org/films/theatomsmashers/trailer.php

Pelo que entendi, é um documentário focado sobre a caça ao Higgs no Fermilab. Contém informações sobre o funcionamento do acelerador, física de partículas e também debate a política de incentivo a pesquisa. Em abril desse ano eu tive a oportunidade de assistir a palestra de uma das pessoas que trabalha nessa investigação, o Ben Kilminster, que aparece no documentário (andando de patins e atrás de um quadro branco). Ficou claro que o Fermilab tem muito pouca chance de detectar o Higgs: o ruído é grande demais, a remoção deste atualmente é confiada numa rede neural, e vai demorar ainda mais dois anos para eles chegarem a ter sensibilidade suficiente para poder excluir o Higgs do Modelo Padrão.

Descobridores do grafeno ganham prêmio

http://physicsworld.com/cws/article/news/35665

Andre Geim e Kostya Novoselov da Universidade de Manchester, Inglaterra, receberam o prêmio de €10.000 da Sociedade de Física da Europa pela descoberta do grafeno em 2004. O grafeno é uma folha de átomos de carbono de apenas 1 átomo de espessura, e atraiu grande interesse quando foi descoberto em 2004 porque é possível montar um certo tipo de transistor com o material onde os elétrons se movem mais rápido do que no silício. Ano passado, um grupo liderado por Charles Marcus em Harvard construiu a primeira junção p-n de grafeno, que é parte do esquema necessário para um transistor. Os físicos dessa área estão dizendo que talvez estejam em face ao desenvolvimento de novos transistores comerciais mais rápidos que os atuais.