De onde veio toda a matéria do universo?

Um grande desafio na compreensão da origem do universo é saber que processo físico natural gerou toda a matéria que mais tarde formou as galáxias, planetas, nós. No modelo do Big Bang supõe-se que o universo começa muito quente, já populado de um grande número de partículas. Começando de um universo cheio de nêutrons, prótons, elétrons, pósitrons e fótons, e supondo que estes constituintes dominaram a densidade do universo quando a temperatura era de aproximadamente 1010 K, é possível calcular vários aspectos da evolução subseqüente do universo. É possível calcular que do peso total dos elementos químicos presentes no universo que foram criados após essa época, cerca de 70% é hidrogênio, 27% hélio, e uma pequena porcentagem de elementos mais leves até o lítio.


Porém, de onde vieram estas partículas e por que o universo começou tão quente?

Na década de 80 foi descoberta  uma idéia que pode ser a resposta: a inflação. Basicamente, supõe-se que o universo era dominado por um falso vácuo com uma energia que passou a diminuir lentamente (em comparação com a taxa de expansão do universo).  É um vácuo porque não tem partículas, mas é falso porque na realidade não representa a menor energia possível do universo. Um vácuo verdadeiro seria aquele estado estável de mínima energia.

A Relatividade Geral diz que a expansão de um universo dominado pela energia de um falso vácuo metaestável como este é exponencial: as distâncias típicas escalam com exp(Ht), onde t é o tempo e H é aproximadamente constante. Quando o universo faz a transição de ser dominado por este vácuo para ser dominado por matéria a alta temperatura, a expansão resulta em um universo com curvatura espacial zero. Isso significa dizer que ao medir os ângulos internos de um triângulo formado por galáxias muito distantes, a soma é 180°. Isso de fato é observado experimentalmente (lembre-se que na teoria da Relatividade Geral, é possível violar esse teorema da geometria espacial plana!).  


O que acontece é que a densidade de curvatura é dada por uma equação do tipo k/a(t)H(t), onde k é uma constante, a(t) é chamado de fator de escala e H(t) é o parâmetro de Hubble, e t é o tempo. A quantidade a(t) representa o fator pelo qual a distância espacial d entre dois pontos escala no universo: d(t) ~ a(t)d0 para certa constante d0.  Em um universo que expande exponencialmente, H = a/(da/dt) é constante, logo a densidade de curvatura vai a zero com a(t)-2 com o aumento de a(t).


O que mais me impressiona no modelo inflacionário é como ele resolve a pergunta de onde veio a matéria do universo. Para que o vácuo perca densidade de energia e o universo saia do período inflacionário, pela conservação da energia esta é convertida em partículas no universo. Isso é possível da mesma forma que um carrinho parado no alto de uma colina converte energia potencial gravitacional em energia cinética a medida que desce a colina. O paradigma padrão do modelo inflacionário é supor que existe um campo escalar que desce uma colina de energia potencial, mas nesse caso seria energia potencial do próprio campo escalar (e não gravitacional). Outros mecanismos físicos podem gerar o mesmo efeito, como campos vetoriais massivos (há exemplos na Natureza de campos vetoriais assim: o campo do W e do Z). 

Esta idéia é bastante robusta e faz previsões específicas sobre o universo. Por exemplo, embora o universo seja homogêneo e isotrópico em larga escala, existe uma pequena inomogeneidade: a densidade de uma galáxia é bem diferente da densidade do meio extragalático. O padrão de inomogeneidades do universo é fundamental, pois é esta inomogeneidade que fez matéria se acumular aqui e ali para formar as galáxias. Podemos observar como as inomogeneidades variam conforme se observa regiões cada vez menores do universo como um todo. A inflação faz uma previsão definitiva para a forma das inomogeneidades com a escala de tamanho, e esta previsão já foi observada experimentalmente. As medidas astronômicas da forma das inomogeneidades do universo foi feita pelo satélite WMAP da NASA. Até o momento, esta é a principal evidência experimental de que o universo pode ter sofrido inflação antes de entrar no Big Bang.

A inflação faz outras previsões sobre o universo que podem ser observadas no futuro. Entre elas, há o espectro da radiação gravitacional primordial. O experimento LISA que vai buscar ondas gravitacionais poderia ter sensibilidade suficiente para detectar as ondas primordiais. Ou pelo menos se LISA acontecer e for bem sucedido, uma nova geração de experimentos seria capaz de observar as ondas gravitacionais do início do universo e colocar a inflação em teste.

Ainda não há evidências suficientes que sustentem a inflação como algo real. Que o universo é plano já era sabido antes da teoria ser proposta, e de fato, não é necessário supor a inflação para simplesmente colocar a mão uma curvatura zero no universo. A inflação apenas diz porque a curvatura é zero. As medidas do espectro de inomogeneidades ainda não são precisas o suficiente para excluir diferentes modelos de inflação ou alternativas.  Isso talvez seja resolvido com o experimento Planck. Há uma pletora de mecanismos físicos conhecidos que poderiam ser responsáveis pela inflação, e se esta foi real, qual deles é o certo é desconhecido. 

Porém, a teoria da inflação faz previsões bem claras sobre o universo que serão testadas pelos próximos experimentos. Além disso, ela é belíssima, no sentido de ter um apelo teórico de inevitabilidade: se o universo veio a existir a partir de um instante t = 0, é muito mais natural supor que ele não poderia estar populado por nada, e ter começado em um estado completamente evacuado, ao invés de imaginar um universo que já nasce populado de partículas. Se imaginarmos que a distribuição da posição do campo que gera a inflação com respeito a colina do potencial começou mais ou menos caótica por todo o espaço, haverá vastas regiões espaciais onde o campo estará na posição adequada para interagir com a gravidade de forma a gerar inflação. O decaimento do falso vácuo em direção ao vácuo por perda de energia para a expansão do universo vai inevitavelmente popular o universo com matéria quente, e então gerar o Big Bang.

Dessa forma o universo é um verdadeiro almoço de graça, sendo tudo que existe resultado espontâneo da criação do próprio vazio!

Para saber mais,
  1. A Guth & D Kaiser, Science 307, 5711 [para quem tem assinatura]; M Turner, Nature Physics 4 89-91 (2008).
  2. A. Guth, "O Universo Inflacionário", Ed. Campus
  3. Sobre o espectro de inomogeneidade, considere esta reportagem da Sciam Brasil.

1 comentários:

Guilherme Torres disse...

Fala Leonardo! É Guilherme (Lula). Um dia eu entendo essa teoria, hehe! Preciso entendê-la, pois minha opinião anterior é que o Universo sempre existiu, de alguma forma. É um pensamento mais filosófico, pois me falta base física. Abração! Belo blog!