José Leite Lopes (1918-2006) e a unificação das forças fundamentais

José Leite Lopes nasceu em Recife a 28 de outubro de 1918. Estudou no Colégio Marista e foi encantado pela ciência, especialmente a química. Assim, ingressou em 1936 na Escola de Engenharia de Pernambuco onde formou-se três anos depois em Química Industrial. Lá, conheceu Luiz Freire, um dos pioneiros em Física no Brasil, que foi sua maior influência para mudar para a pesquisa em Física. Em 1937, Leite Lopes foi ao III Congresso Sul Americano de Química, onde conheceu Mário Schenberg, que apresentou-o ao então Departamento de Física da USP. Voltando para Recife, Leite Lopes estava decidido: iria seguir carreira como físico. Em 1939, formado, Leite Lopes conseguiu uma bolsa de estudos das industrias Manuel de Britto para continuar seus estudos no sul do país. De 1940-42 formou-se bacharel em Física pela Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) no Rio de Janeiro (atual UFRJ). Naquele ano, Leite Lopes recebeu uma bolsa da Fundação Zerrener[1] para trabalhar na USP, sob orientação de Schenberg, e nesta ocasião conheceu Cesar Lattes. Ficou na USP até 1943 e no ano seguinte prosseguiu para obtenção de seu Ph.D. na Universidade de Princeton. Já no primeiro semestre em Princeton, Leite Lopes publicou um trabalho com Josef Maria Jauch onde desenvolviam a interação nuclear forte como troca de pares de mésons escalares entre os nucleons. Mas sua tese de Ph.D. não seria orientada por Jauch, e sim, por sugestão deste, por Wolgang Pauli, célebre pioneiro da mecânica quântica e teoria quântica de campos. Em Princeton, Leite Lopes assistiu aulas e seminários de Einstein, Weyl, von Neumann e naturalmente, Pauli. Parte da série de artigos de Pauli e Leite Lopes estão hoje disponíveis na coletânea da produção científica de Pauli.
Defendida sua tese, Leite Lopes voltou ao Rio de Janeiro no início de 1946 então com seus 27 anos, onde assumiu a cátedra de Física Teórica Superior da FNFi. Seu grupo de trabalho pareceu restringir-se principalmente a Jayme Tiomno (FNFi) e Schenberg (USP). Tentou sistematicamente aumentar os recursos para pesquisa em Física no Rio de Janeiro, levando a pauta na congregação da FNFi, publicando artigos em jornais, tentando ao menos contratar mais algum pesquisador assistente, mas sem nenhum sucesso. Os resultados de seu amigo Lattes em 48-49 animou a sociedade brasileira e quando Lattes voltou para o Brasil foi possível finalmente ampliar os horizontes, não na universidade, mas com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) em 1949, liderada por Lattes e Leite Lopes, e em seqüência, do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) em 1951. Atrás da consolidação do emergente CBPF, buscou-se colaboração internacional e nacional, tendo Leite Lopes trazido Richard P. Feynman em 1950 e em 1951, para pesquisa no CBPF e aulas na Universidade do Brasil. Também passaram a integrar o grupo de trabalho de Leite Lopes no CBPF: Schenberg, Guido Beck, J. J. Giambiagi e Tiomno. Lattes liderava a pesquisa experimental. No ano de criação do CNPq, com a ajuda do novo órgão do governo, realizou-se no país um encontro de física, no qual participaram além dos pesquisadores já citados do CBPF e outros daquela instituição e da USP, Eugene Wigner, Emillio Segrè e Isidor I. Rabi. Nestes anos, na FNFi e no CBPF, alguns nomes do Brasil formaram-se com a equipe do CBPF, como Mario Novello, Herch Moysés Nussenzveig, Luís Carlos Gomes, Nicim Zagury, Sérgio Jofilly e Jorge André Swieca.
Em 1955, Leite Lopes foi secretário científico da primeira conferência internacional sobre utilização pacífica da energia atômica da ONU, junto com Oppenheimer, mas no ano seguinte voltou a trabalhar em teoria quântica de campos: a convite de Feynman foi ao CalTech como research fellow, onde também estava Murray Gell-Mann.
Os trabalhos de Leite Lopes no CalTech culminaram em 1958 com o que foi talvez sua contribuição mais significativa para a Física[2]: a observação que a força nuclear fraca como descrita na teoria de Fermi poderia advir da existência de partículas massivas carregadas (mais tarde chamado bóson W) e também de uma partícula neutra (o bóson Z). Até antes do trabalho de Leite Lopes, no contexto da interação nuclear fraca, apenas os bósons W já haviam sido considerados.
Este trabalho foi uma observação que antecedeu as idéias que culminariam na versão moderna da teoria eletrofraca de Steven Weinberg e Abdus Salam[3], o que deu aos dois o Prêmio Nobel. Outro físico brasileiro que trabalhou na teoria eletrofraca e obteve grande sucesso foi Tiomno, que falaremos mais em outro ensaio, chegando inclusive a ser indicado para receber o Prêmio Nobel por suas contribuições.
Novamente em 1961 Leite Lopes surgiu no quadro político, desta vez para lançar o projeto de criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, junto com H. Moussaché, W. Oswaldo Cruz, H. Lent e A. Moses (então presidente da Acad. Bras. de Ciências). O projeto saiu do papel, no entanto, anos mais tarde.
Leite Lopes e o CBPF foram atingidos pelo regime militar no Brasil. Com o estabelecimento do governo autoritário, já em 1964 Leite Lopes fora chamado a depor em dois inquéritos e viu Schenberg ser preso e ter seus direitos políticos e ligações acadêmicas suspensas, em virtude de ser membro do Partido Comunista. O AI-5 aposentou Leite Lopes compulsoriamente e o impedia de continuar suas atividades ligado a FNFi, então ele e sua família refugiaram-se no exterior. Sua primeira parada foi em Carnegie-Mellon em 1969, e um mês depois de estabelecido nesta universidade, recebeu do almirante Otacílio Cunha, novo diretor do CBPF, a carta anunciando que Leite Lopes estava demitido!
No exterior, Leite Lopes permaneceu em Carnegie-Mellon por um ano. Em seguida foi para a Universidade Luis Pasteur em Estrasburgo na França e foi extraordinariamente nomeado professor titular. Com a redemocratização do Brasil em 1986, foi convidado pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, Renato Archer, a voltar ao país, o que aceitou, tornando-se diretor do CBPF — e eu diria aqui: honoris causa Otacílio! —, cargo que manteve até 1989.
Leite Lopes passou seus últimos anos no Rio de Janeiro e além da física, apreciava a arte plástica, sendo ele próprio um pintor. Alguns de seus quadros podem ser vistos no seu livro Ciência e Liberdade, da Ed. UFRJ/CBPF e na capa de seu Uma história da Física no Brasil, Ed. Liv. da Física, que são a base deste ensaio biográfico e muito dos demais desta série.

Leite Lopes faleceu em 2006, aos 87 anos, no Rio de Janeiro, de uma parada cardíaca.


Notas

  1. Esta fundação era do empresário co-fundador da cervejaria Antárctica, Heitor Zerrener.
  2. J. Leite Lopes. Nuclear Phys. 8, 234 (1958). Resumo do artigo aqui.
  3. Um outro relato da contribuição de Leite Lopes é dado por Steven Weinberg em sua Nobel Lecture.

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