Jayme Tiomno e o mecanismo das interações fracas

Jayme Tiomno nasceu no dia 16 de abril de 1920 no Rio de Janeiro mas fez quase todo seu curso secundário em Muzambinho, Minas Gerais, vindo a completá-lo no Rio de Janeiro. Ingressou na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, atual UFRJ, onde se formou Bacharel em Física em 1941. Nesta época conheceu José Leite Lopes (FNFi) e Cesar Lattes (USP). Formado, foi assistente de Joaquim Costa Ribeiro na FNFi (1942) e depois de Mário Schenberg na USP em 1947. Naquele ano, assistiu um seminário de Lattes a respeito da nova descoberta da existência do múon e do píon, de onde surgiu seu interesse em especial pelo múon, que já naquele momento lhe pareceu também interagir pelo mecanismo de Fermi, outrora proposto para explicar o decaimento betado nêutron.
Tiomno recebeu uma bolsa do governo norte-americano para obter seu Ph.D., tendo ele seguido para a Universidade de Princeton em 1948. Lá, trabalhou com John A. Wheeler (ex-orientador de R. P. Feynman) que também estava interessado na natureza da interação dos léptons. Tiomno concebeu um esquema geral para a interação fraca (historicamente conhecido por universalidade das interações fracas) no qual existiriam três pares de partículas, [(p,n), (e,νe), (μ,νμ)], que interagiriam entre si segundo o esquema original de Fermi[1], idéia simultaneamente proposta por B. M. Pontecorvo, O. B. Klein, G. Puppi, T. D. Lee, C. N. Yang e M. N. Rosenbluth. No artigo de Wheeler e Tiomno, havia um diagrama representando o esquema geral, hoje conhecido por triângulo de Tiomno. Ele ainda trabalharia no mesmo tema logo depois com C. N. Yang, quando formalizaram a proposta pela primeira vez e cunharam o termo interação universal tipo Fermi[2].
Em 1950, Tiomno concluiu sua tese de doutoramento na supervisão de Eugene Wigner a respeito do campo dos neutrinos e o decaimento beta duplo. Ele voltou para USP ainda em 50 e realizou um importante trabalho com Walter Schützer no qual eles introduziram pela primeira vez a noção de causalidade no formalismo matemático da teoria da matriz S, o que constituiu a primeira aplicação da teoria das relações de dispersão às reações nucleares[3]. Em 1952, ele foi convidado a integrar o grupo de física teórica coordenada por J. Leite Lopes no CBPF. Os anos 50 no CBPF são lembrados pelo próprio Tiomno como os anos mais frutíferos de sua carreira. Ele concentrou-se primariamente em continuar a elucidação das interações fracas. Aplicando vários critérios de simetria ao modelo da interação universal tipo Fermi, chegou a conclusão que seus trabalhos anteriores levavam a duas possibilidades: a interação fraca se daria pela conservação de uma corrente de natureza S+P+T (escalar mais pseudoescalar mais tensor) ou V-A (vetor menos axial)[4]. Para tal, ele introduziu a noção da chamada transformação γ5 (gama 5). Ele considerou que a interação fraca deveria ser do tipo S+P+T. Dois anos depois, nos Estados Unidos, R. E. Marshak e E. C. G. Shudarshan e independentemente Feynman e M. Gell-Mann propõe, com base nas evidências experimentais daquele ano (1957), que a interação é na verdade na forma V-A. Esta segunda forma que descreve corretamente a interação fraca dos léptons e hádrons.
Ainda em 1957, Tiomno desenvolveu estudos a respeito da natureza da interação nuclear forte que logo em seguida serviram de base para os desenvolvimentos de Y. Ne’eman que culminaram na elucidação da estrutura destas interações, independentemente de Gell-Mann.
Em 1960, Tiomno propôs a existência de um novo méson, o , similar ao já conhecido méson K, mas de paridade oposta, para dar conta de assimetrias observadas em colisões de hádrons. A existência da partícula foi mais tarde confirmada no SLAC, em Stanford (ressonância K-π, ou K*).
Em 1987, o Comitê Nobel recebeu a indicação de agraciar naquele ano Shudarshan, Marshak, Mdme. C. Wu e Tiomno pelas descobertas a respeito da interação fraca. No entanto, decidiu-se por J. G. Bednorz e K. A. Muller pela descoberta das cerâmicas supercondutoras.
As intervenções do regime militar no Brasil encontra-nos aqui novamente. Em 1964, o novo diretor do CBPF, almirante Otacílio Cunha, torna o ambiente impossível para a pesquisa, e Tiomno busca se afastar. No ano seguinte, ele consegue ir para a Universidade de Brasília (UnB) juntar-se com Roberto Salmeron na criação de um centro de física naquela universidade. Porém, a arbitrariedade incomensurável do regime leva a descontinuação da UnB em outubro daquele mesmo ano[5]! Tiomno volta então para o Rio. Wheeler, preocupado com a situação, convidou-o várias vezes para tornar-se pesquisador visitante de Princeton, mas Tiomno declinava. Em 67, consegue afastar-se do CBPF indo para o Instituto de Física da USP, onde fundou o grupo de pesquisa hoje integrado no Departamento de Física Matemática (fundado por H. M. Nussenzveig). Mas isso só durou um ano: AI-5 veio no final de 68. Tiomno estava, como tantos outros acadêmicos, proibido de trabalhar. Wheeler, nos Estados Unidos, tomou conhecimento e ajudou a organizar uma seqüência de abaixo-assinados enviados ao presidente Costa e Silva, um dos quais com a assinatura de mais de 600 físicos estrangeiros, e também manifestações individuais de repúdio ao presidente enviadas por C. N. Yang e Licoln Gordon (este último na época era reitor da Johns Hopkins).
Tiomno ainda recusou vários convites para ir lecionar nos Estados Unidos, tentando diversas manobras para resolver o problema no país. Depois que seus ex-alunos não conseguiram contrata-lo para a PUC-RJ em virtude da intervenção militar, Tiomno cedeu a um convite feito por Freeman Dyson em setembro de 1970 para ir a Princeton, onde permaneceu até 1972. Finalmente, em 1973, por interferência do papa Paulo VI, o grupo da PUC-RJ conseguiu contratar Tiomno e este voltou ao país. Assim, continuou seus trabalhos em colaboração com seus ex-alunos, entre os quais Jorge André Swieca, onde formou um núcleo de excelência em física teórica de onde destacou-se mais tarde o grande divulgador de ciência Marcelo Gleiser.
Com a anistia em 1980, Tiomno pôde voltar ao CBPF onde permaneceu até se aposentar, trabalhando primordialmente com Relatividade Geral. Ele chegou, nos últimos anos, a desenvolver um trabalho no qual revisava criticamente a relatividade especial e apontava que os experimentos já realizados, embora corroborassem a teoria, não eram capazes de banir propostas alternativas. Este trabalho foi inicialmente recusado para publicação, mas Tiomno pediu uma revisão mais cética. O trabalho foi por fim publicado em 1985[6].
Entre os prêmios que recebeu, destacam-se a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (1994) e Prêmio de Física da Academia de Ciências do Terceiro Mundo (1995).

Notas
  1. Tiomno, J., Wheeler, J. A. Rev. Mod. Phys. 21, 153 (1949); Rev. Mod. Phys. 21, 144 (1949)
  2. Tiomno, J. Yang, C. N. Phys. Rev. 79, 495 (1950).
  3. Schützer, W. Tiomno, J. Phys. Rev. 83, 249 (1951).
  4. Tiomno, J. Nuovo Cimento 1, 226 (1955).
  5. O relato “de dentro” da intervenção militar na UnB encontra-se em R. Salmeron, A Universidade interrompida, Ed. UnB (1999). Este não é o único episódio no qual um centro de pesquisa foi destruído pelo regime. O laboratório do célebre Walter Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro foi outro, tendo ele perdido o acúmulo de equipamentos desde os herdados de seu pai. Anos de pesquisa destruídos, um acontecimento que derrubou emocionalmente Walter pelo resto de sua vida.
  6. Tiomno, J., Rodrigues, W. A. Found. Phys. 15, 945 (1985).
  7. Para um artigo mais completo sobre a vida de Tiomno: Bassalo, J. M. F., Freire, O., Jr. Rev. Bras. Ens. Fís. 25, 426 (2003), disponível online aqui.

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