Marcelo Damy de Souza Santos (1914-) e a Física Nuclear no Brasil

Em 1936 formava-se a primeira turma da recém criada FFCL da USP. Entre os formandos, estava o jovem bacharel e licenciado em Física Marcelo Damy de Souza Santos, um dos físicos experimentais brasileiros mais notáveis de todos os tempos.
Damy nasceu a 14 de junho de 1914 em Campinas, São Paulo. Sua família mudou-se para a capital com o desfecho do movimento que levou Vargas ao poder (1930). Possuía gosto pela eletrônica e consertava rádios para ajudar a renda familiar. Na insurreição paulista contra Vargas (Revolução Constitucionalista de 32), participou na Escola Politécnica da produção de granadas e morteiros. Ingressaria nesta escola no ano seguinte, onde formou-se em engenharia elétrica em 1935.
No segundo ano de engenharia, Damy teve sua primeira aula com Gleb Wataghin, que o atraiu para a física e o tornou assistente em seu laboratório. Por volta de 1936, Wataghin e Damy confeccionaram contadores Geiger-Müller para identificação de partículas eletricamente carregadas em raios cósmicos.

O British Council concedeu-lhe uma bolsa no ano de 1938 para continuar seus estudos de pós-graduação na Inglaterra, no Cavendish Laboratory da Universidade de Cambridge, sob orientação de W. Lawrence Bragg. Lá, Damy foi encarregado de verificar a presença de mésons nos raios cósmicos. Para tal, era necessário um circuito de coincidências muito curtas (~ ms) o que só foi possível com a confecção de um dispositivo especial por parte de Damy, capaz de medir tempos da ordem de 10ns. Os primeiros radares ingleses utilizaram o seu dispositivo para medir intervalos de tempo e em virtude disso ele foi convidado pela Inglaterra a participar do projeto de novas tecnologias bélicas durante a 2a Guerra. Foi então que o ministro do exterior Osvaldo Aranha considerou que se Damy era interessante para os ingleses, seria ainda mais interessante para o Brasil! laugh

Com a entrada inglesa na guerra e o subseqüente recrutamento das universidades para participar, Damy optou por voltar ao Brasil. O dispositivo desenvolvido em Cambridge, que na época era tecnologia exclusiva sua e do Cavendish, possibilitou a identificação da cascata de mésons produzidos simultaneamente pelos raios cósmicos ao reagir com a atmosfera, os chamados chuveiros penetrantes[1]. No ano seguinte a publicação do artigo, Damy assumiu a cátedra de Física Experimental e Geral do Dep. de Física da USP. Estes anos foram de intensa atividade do grupo de Damy, que em 40 realizou uma experiência em pareceria com Collège de France da qual obteve-se a primeira evidência da existência de correntes de íons a uma altitude equivalente a 1,5 diâmetros da Terra (fenômeno associado ao ainda não descoberto cinturão de Van Allen) e no ano seguinte recebeu no Brasil Arthur H. Compton, prêmio Nobel, e sua equipe de raios cósmicos.

No ano da publicação da descoberta dos chuveiros penetrantes, Damy e Paulus Aulus Pompéia foram convidados pela Marinha para dotar os submarinos brasileiros de um sonar. Os trabalhos foram inicialmente desenvolvidos no laboratório de Física da FFCL, mas depois que Getúlio Vargas visitou-os em ocasião do primeiro sucesso com o dispositivo, mudaram-se para a represa Santo Amaro, onde construíram um laboratório flutuante e o primeiro protótipo do sonar brasileiro, capaz de detectar a presença de embarcações num raio de 2 km. Testes subseqüentes, no entanto, mostraram grande dificuldade em limpar ruídos comuns. Depois de pesquisar diversas alternativas e sistemas já conhecidos pelos norte-americanos, Damy concebeu um sistema viável, dispositivo equivalente aos cristais de quartzo utilizados nos sonares da 1a Guerra (desenvolvidos por Lagevin e Florisson): um oscilador magneto-estritivo para emissão de ondas sonoras detectáveis por cristais piezoelétricos. O dispositivo final foi produzido em larga escala na USP (Geologia, Química, Física e IPT) em colaboração com a Marinha e passou a equipar os submarinos brasileiros. Com a nova tecnologia, a Marinha brasileira passou a levar comboios de Natal até a Argentina, o que antes necessitava do acompanhamento dos submarinos norte-americanos, em virtude de ataques do Eixo. Damy e Pompeia não patentearam os detectores. Este trabalho foi em 1962 laureado com a Medalha do Mérito Naval pela Marinha.

Finda a guerra em 1945, Damy voltou para suas atividades junto a Wataghin. Naquele ano, a fundação Rockefeller concedeu-lhes uma verba para construção de um acelerador de partículas. Damy foi aos Estados Unidos e passou 10 meses como professor visitante na Universidade de Illinois, onde aprendeu a tecnologia do Betatron com seu próprio criador: W. D. Kerst. Voltou ao Brasil, construiu e passou a operar o primeiro acelerador de partículas da América Latina, que iniciou suas atividades em maio de 1951. O objetivo do Betatron instalado era estudar reações foto-nucleares. Os trabalhos desenvolvidos renderam bolsas no exterior a dois assistentes de Damy: Oscar Sala e José Goldemberg, e contavam com a colaboração de José Leite Lopes na parte teórica.

Em 1956, o CNPq e o Conselho Universitário da USP decidem criar o Instituto de Energia Atômica (IEA), atual IPEN, em seqüência ao congresso internacional da utilização pacífica da energia atômica. Damy fora indicado para a diretoria e fundação do novo instituto, onde permaneceu até 1964 quando se instaurou o regime militar que o demitiu. Suas atividades no IEA deram origem ao primeiro reator nuclear no Brasil que começou a funcionar em 57.
No ano de 1966, Damy aposentou-se pela USP e recebeu o convite de Zeferino Vaz a colaborar com a construção da Unicamp, tendo coordenado a criação do Instituto de Física daquela universidade (IFGW), o qual foi o primeiro diretor. Decidiu-se que haveria três principais linhas de pesquisa: altas energias, a ser coordenada por Cesar Lattes, e que fora a primeira a ser implantada, estado sólido (Sérgio Porto da John Hopkins) e nuclear (ele próprio).

Divergências políticas devidas as intervenções militares fizeram Damy abandonar a Unicamp no final de 1971. Incansável, assumiu em 1973 cargo de professor titular na PUC-SP onde dirigiu o Centro de Matemática, Física e Tecnologia, implantou um laboratório de Física Nuclear e organizou os cursos de graduação e pós nesta área. Voltou a trabalhar no IPEN a convite em 1988.

Damy acumulou assim as homenagens de tornar-se emérito da USP (1984) e da PUC-SP (1994), além de diversos prêmios e medalhas, os mais recentes a Grã-Cruz do Mérito Nacional Científico (1994), IBM de Ciência e Tecnologia (1994) e Cidadão Paulistano (2002).

Bibliografia

Notas
  1. Wataghin, G., Pompeia, P. A., Santos, M. D. S. Phys. Rev. 57 (1940).

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